coréia do sul: da miséria à riqueza em um quarto de século
O país, antes subdesenvolvido, agora serve de exemplo

 ano 4  -  n.7  -   jan./jun. 2006 

por Larissa Perdigão

globalsecurity.org
Foto de satélite da península coreana à noite: luz apenas no sul

A Coréia sempre foi um território economicamente atrasado. Historicamente, passou por diversas invasões de chineses, mongóis, manchúrios e japoneses. Até o fim do século 19, ainda se observavam na Coréia certos aspectos medievais e feudais na cultura e na dinâmica social, mantidos pela dinastia Yi e pelos manchúrios. O fim da ocupação manchúria (fim do século 19) e da dinastia Yi (década de 1900) levou à destruição de registros de terras, impostos e registros de escravos, o que permitiu a muitos coreanos escapar das imposições de castas e classes sociais.

Em 1910, depois de duas guerras contra China (1894-1895) e Rússia (1904-1905), o Japão anexou a Coréia. Embora trouxesse modernização, em especial no norte, a ocupação japonesa foi negativa, pois muitos imigrantes daquele país passaram a ocupar os melhores cargos públicos, além de ter sido proibida a utilização do idioma coreano.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota japonesa, tropas soviéticas ocuparam o norte da península coreana, enquanto os Estados Unidos ocuparam o território ao sul do paralelo 38°N. Sem um acordo de reunificação, as duas Coréias entraram em conflito armado em 1950, com a invasão do sul a partir do norte comunista. Em 1953, uma trégua foi aceita pelas partes, e uma nova fronteira foi demarcada, semelhante à fronteira anterior à guerra.

Embora a campanha militar tenha destruído a indústria e a infra-estrutura herdada dos japoneses, a Coréia do Norte pôde contar com um robusto plano de reconstrução financiado pelos vizinhos comunistas. Na Coréia do Sul, em oposição, financiamentos ocidentais para projetos de reconstrução eram desviados por um governo ditatorial fraco, estabelecido ainda no exílio, em 1919, e derrubado em 1960. Uma das qualidades deste governo foi a promoção da educação no país, permitindo, por exemplo, que a taxa de analfabetismo caísse de 78% para 28% em sete anos.

Nos anos 60, a Coréia do Sul ganhou um novo governo autoritário, que, imediatamente, lançou um programa de desenvolvimento econômico, uma vez que, em 1961, a economia sul-coreana apenas havia alcançado novamente a sua condição anterior à guerra. Com esse plano, sempre alterado quando necessário, o país efetivamente emergiu: a partir de 1962 e nos vinte anos seguintes, a Coréia do Sul experimentou uma taxa média de crescimento econômico de quase 9% ao ano, aumentando a sua renda per capita mais de 40 vezes nesse período.

Diz o professor de administração da Universidade da Coréia, Linsu Kim: "Em meados da década de 1960, a Coréia do Sul começou a exportar tecidos, roupas, brinquedos, perucas, madeira compensada e outros produtos elaborados de setores intensivos em trabalho. Dez anos mais tarde, os navios, o aço, os produtos eletrônicos de consumo e os serviços de construção pesada da Coréia do Sul desafiavam os fornecedores estabelecidos nos países industrialmente avançados. Em meados da década de 1980, os computadores, os semicondutores, os circuitos de memória, os videocassetes, os sistemas eletrônicos de comutação, os automóveis, as instalações industriais e outros produtos intensivos em tecnologia foram agregados à pauta dos principais itens de exportação sul-coreanos. Atualmente, a Coréia do Sul está trabalhando em produtos da assim chamada 'próxima geração', como produtos eletrônicos multimídia, televisores de alta densidade, sistemas de comunicação pessoal e um novo tipo de reator nuclear".

Como o progresso daquele país pôde ser tão grande em apenas 40 anos? Este rápido desenvolvimento pode ser atribuído a muitos fatores de caráter social, econômico e técnico. O principal deles, segundo Kim, são as competências tecnológicas, ou seja, a habilidade em fazer um uso eficaz do conhecimento técnico na produção, no investimento e na inovação. A Coréia do Sul conseguiu assimilar conhecimentos técnicos já desenvolvidos em países avançados.

Obviamente, para que essa assimilação seja possível, é necessário haver altas taxas de investimento de capital, seja físico ou humano. Mas, principalmente, é necessário também uma educação de altíssimo nível de eficácia e um espírito empreendedor/inovador com assunção de riscos.

Tanto que, neste início de século, a Coréia do Sul se ressente de não ter investido mais em educação superior, especialmente na área de pós-graduação e pesquisa, segundo Linsu Kim. Isto porque o atual estágio de desenvolvimento de produtos sul-coreanos não mais permite a aquisição direta de conhecimentos no exterior. Estes conhecimentos são cronologicamente muito recentes ou simplesmente não existem. Logo, não é possível, nesse estágio, utilizar técnicas de sucesso nas décadas de 1960 e 1970, tais como a engenharia reversa; passa a ser necessária a produção efetiva de conhecimento.

Embora a Coréia do Sul tenha passado, na última década, por uma crise econômica, devida essencialmente a uma má administração financeira, não há como negar as grandes aptidões tecnológicas desenvolvidas pelo país desde a década de 1960. E não há dúvidas de que a valorização da educação foi preponderante para o país alcançar esse objetivo.
 

Enquanto isso, no Norte...

Divulgação
Kim Jong-il: atual líder norte-coreano

A situação política e econômica da Coréia do Norte é completamente distinta daquela encontrada no sul da península. Auxiliados pelas também comunistas União Soviética e China, os norte-coreanos mantinham o país funcionando com taxas de crescimento aceitáveis. Desde o fim da União Soviética e o embargo econômico dos Estados Unidos, ocorridos no início da década de 1990, a Coréia do Norte sucumbiu. Secas e inundações intensas, além de falta de energia para a produção de fertilizantes, levaram à quebra de produção ao longo da década de 1990 e à morte de estimados 2 milhões de norte-coreanos, ou cerca de 10% da população.

Uma visita à Coréia do Norte nos remete diretamente à década de 60, aos tempos da Guerra Fria. O país, governado por uma ditadura hereditária, mantém-se como o mais fechado do mundo. Em toda parte, observa-se propaganda do regime e dos ditadores Kim Il-sung, morto em 1994, e de seu filho Kim Jong-il, que imediatamente assumiu o comando do país. Alguns acreditam que o regime ditatorial se mantém pelo culto da população aos dois líderes, embora relatos de visitantes à Coréia do Norte não apontem o mesmo.

A capital, Pyongyang, é uma cidade deserta. Não se percebe, como nas demais grandes cidades do mundo, ruas congestionadas, multidões ou ruídos intensos. O metrô é o mais profundo do mundo: seus túneis chegam a estar a mais de 100 m abaixo da superfície, servindo, também, como refúgio em caso de guerra. No entanto, passa a maior parte do tempo desligado. No interior, fiscais rodoviários anotam as placas de todos os carros (não são muitos, pois há racionamento de energia). A fronteira com a Coréia do Sul é fortemente militarizada e quase intransponível de ambos os lados.

Visitas de estrangeiros são estritamente controladas. Apenas um hotel, na capital, hospeda os turistas, que, em geral, chegam a partir de Pequim. "Guias turísticos" restringem contato com a população local. Os visitantes nem sequer podem usar o dinheiro local; apenas dólares ou euros. Tais "guias" também retêm os passaportes dos estrangeiros, criando uma sensação de insegurança e fragilidade. Se os turistas passam por isto, imagine como vive o norte-coreano comum.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do Secular Educacional.

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