medidas-padrão não dão confusão
Entenda a utilidade do Sistema Internacional de Unidades e de seu precursor, o Sistema Métrico Decimal

 ano 6  -  n.11  -   jan./jun. 2008 

por Larissa Perdigão

nist.gov
Cópia estadunidense oficial do quilograma-padrão

Imagine a seguinte situação: na cidade onde você vive, usa-se o quilograma como unidade de massa. No entanto, cada uma das cidades vizinhas tem um quilograma diferente, que pode pesar um pouco mais ou um pouco menos que o da sua cidade. E, se você for mais longe, você nem vai ouvir falar em quilograma, mas em outras unidades bem diferentes. Percebeu como isso pode confundir o comércio, a indústria e outras atividades?

Pois é mais ou menos isso o que acontecia na Antigüidade, e mostra a importância de haver um sistema único de unidades. Naquelas civilizações, utilizavam-se unidades antropométricas, ou seja, unidades que são definidas de acordo com medidas do corpo humano. Por exemplo, o pé inglês, cuja medida variava com o comprimento do pé do rei que estivesse no poder. Morrendo o rei, mudava o comprimento, e todo mundo tinha de usar a nova medida.

Mas não se esqueça que as notícias chegavam muito mais lentamente do que hoje. Então, enquanto algumas vilas utilizavam a nova unidade, outras ainda faziam uso da antiga. O que não era tão grave, já que a maioria das pessoas vivia no campo e não costumava fazer comércio (o que certamente dava muita confusão!). A padronização das medidas na Inglaterra só ocorreu no século 13. O pé, por exemplo, passou a ter o equivalente hoje a 0,3048 m, independentemente do rei que estivesse no poder.

O próprio metro só existe há dois séculos. Fatores como a nova fase de desenvolvimento da ciência ocorrida com o Renascimento, a expansão marítima e a Revolução Industrial passaram a exigir uma padronização das medidas. Nessa época, foram desenvolvidos instrumentos de medidas, como termômetros e relógios, cada vez mais precisos. Com a Revolução de 1789, os cientistas da Academia Francesa de Ciências criaram o Sistema Métrico Decimal, um sistema novo, que não se baseou nos costumes de uma população. Este foi o primeiro passo para a criação do SI, o Sistema Internacional de Unidades.

A primeira etapa da padronização das medidas do sistema métrico foi o estabelecimento, em 1799, dos padrões do cilindro de platina para o quilograma e da barra de platina para o metro. O quilograma-padrão foi feito com a massa de um litro de água a 4°C. Já o metro-padrão foi construído com o comprimento da décima milionésima parte (1/10 000 000) da distância entre o pólo norte e o equador. Curiosamente, a distância entre esses dois pontos não é de 10 milhões de metros, mas um pouco mais que isso. Isto porque os métodos de medição da época ainda estavam começando a ser desenvolvidos. Mas o metro não aumentou por causa disso, ele é o mesmo até hoje.

Karl Gauss, astrônomo e matemático alemão, passou a promover, a partir da década de 1830, a aplicação do sistema métrico, acrescentando a medida do tempo às medidas de comprimento e de massa. Gauss definiu o segundo, que naquela época era utilizado apenas pelos astrônomos, como sua unidade-padrão.

O Brasil, que até então utilizava as medidas portuguesas arcaicas, adotou o sistema métrico na segunda metade do século 19. Dezenas de outros países fizeram o mesmo. Entretanto, vários países da Comunidade Britânica e os Estados Unidos têm, até hoje, dificuldade de abandonar seu antiquado sistema e adotar o SI no cotidiano.

Os próprios cientistas britânicos foram responsáveis por um desdobramento do sistema métrico, ao criarem, em 1874, o CGS, ou seja, um sistema que toma como unidades-padrão não o metro, mas o centímetro, e não o quilograma, mas o grama, em oposição ao MKS, já utilizado pelos cientistas do resto do mundo (as siglas se referem à primeira letra das unidades-padrão). O CGS costumava, até há poucas décadas, ser o sistema utilizado pelos cientistas britânicos e americanos que optavam por não utilizar o estranho sistema de seus próprios países.

Com o desenvolvimento do eletromagnetismo, durante o século 19, surgiu a necessidade de uma unidade-padrão para corrente elétrica, o ampère. Giovanni Giorgi, físico italiano, mostrou que as unidades MKS, e não as CGS, eram ideais para a utilização nas equações de eletromagnetismo. Suas proposições iam mais longe, e abriram caminho para novas pesquisas no campo da física.

Apesar do uso do chamado sistema MKSA (o novo A vem do ampère) já ser comum no meio científico, apenas em 1946 o Bureau Internacional de Pesos e Medidas (BIPM), sediado na França, o aprovou como padrão. Oito anos depois, foram admitidas no MKSA mais duas unidades: o kelvin como padrão de temperaturas e a candela como medida de intensidade luminosa. Em 1960 esse conjunto de seis unidades passou a ser chamado Sistema Internacional de Unidades, SI. Em 1971 o mol, unidade que define quantidade de substância, também passou a fazer parte do time do SI.

É importante perceber que estas sete unidades-padrão não são as únicas reconhecidas pelo BIPM. Existem muitas outras. Entretanto, todas as outras unidades reconhecidas são derivadas das unidades-padrão do SI. Por exemplo, para representar velocidade no SI, combinam-se duas unidades do sistema: o metro e o segundo. A unidade resultante é o metro por segundo (m/s).

Em 1983, o metro foi definido como a distância que a luz percorre em 1/299 792 458 segundo. O segundo é definido, desde 1967, como o tempo necessário para o césio 133, radioativo, oscilar 9 192 631 770 vezes. Quanto ao quilograma, ele ainda necessita de uma definição precisa, baseada em outros padrões, como há em relação ao metro e ao segundo. A última conferência do BIPM, realizada em 1999, lembrou que o quilograma-padrão (o cilindro guardado na França) está sujeito à instabilidade química, e por isso sua massa pode variar.

Assim, o BIPM recomendou que os laboratórios nacionais tentem associar a unidade quilograma a um determinado número de átomos de um elemento ou a alguma constante física, aumentando a precisão das medidas de massa. Por exemplo, sabendo-se quantos átomos de silício juntos pesam um quilograma, poderia-se produzir uma barra puríssima com esse número de átomos. Assim, passaria-se a ter um padrão móvel, que pode ser reproduzido em qualquer lugar. Essa redefinição do padrão de massa é o próximo passo no desenvolvimento do SI, esse sistema tão importante para a maioria das atividades humanas.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do Secular Educacional.

Comissão editorial
Larissa Perdigão
Rodolfo Augusto Vieira

Jornalista responsável
Larissa Perdigão (MTb/SP 37654)

Imprenta
São Carlos, SP, Brasil

ISSN 2446-4759