arte em são paulo: a trajetória inicial do masp
A construção do museu paulista em uma singular janela de oportunidades

 ano 13  -  n.25  -   jan./jun. 2015 

por Larissa Perdigão

Larissa Perdigão
Sede do Masp, na Avenida Paulista: tombados prédio e acervo

Assis Chateaubriand, jornalista e político paraibano, foi dono do primeiro grande grupo de mídia do país, os Diários Associados. No fim da década de 1940, já com mais de 50 anos de idade, motivado pelo baixo preço de obras de arte europeias no pós-guerra, Chateaubriand decidiu fundar em São Paulo um museu dedicado à arte, o “Museu de Arte Antiga e Moderna”. Assim começa a história do Masp, um baluarte da arte mundial, especialmente a arte visual, no Brasil.

Para ajudá-lo a selecionar obras para o acervo, Chateaubriand contratou os serviços de Pietro Maria Bardi, colecionador, jornalista e crítico de arte italiano recém-chegado ao Brasil. Pietro foi quem teria proposto que o nome fosse apenas “Museu de Arte”, evitando-se distinções temporais. Pietro havia trazido para o Brasil todo o seu acervo pessoal, o que incluía uma coleção didática de milhares de fotografias de obras de arte ocidentais, uma das maiores do mundo à época.

O Masp, acrônimo pelo qual o Museu de Arte de São Paulo é conhecido no Brasil, começou a funcionar em 1947 no edifício-sede dos Diários Associados, na rua Sete de Abril, no centro paulistano. Ali estiveram expostas as primeiras aquisições, destacando-se aí uma obra de Pablo Picasso e outra de Rembrandt van Rijn.

Crescer, no entanto, era o destino do Masp. Em 1950, o museu já ocupava mais espaço no edifício dos Diários Associados, e não apenas com exposições. O espaço servia para a oferta de cursos didáticos de pintura, escultura, gravura, desenho, dança e desenho industrial e para a apresentação de seminários sobre cinema e literatura. Nestas atividades, lecionaram expoentes como os pintores Lasar Segall e Roberto Sambonet, os arquitetos Giancarlo Palanti e Lina Bo Bardi, o escultor August Zamoyski, o cineasta Alberto Cavalcanti, entre outros talentos notáveis de então.

Essa ampliação do Masp teve outros desdobramentos. O museu passou a ter um corpo de baile e uma orquestra de jovens. Além disso, serviu de incubadora para o Instituto de Arte Contemporânea, iniciativa que durou pouco mais de dois anos, e da Escola de Propaganda, transformada na atual Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Pioneirismo foi marca do Masp no seu início. Foi um dos primeiros museus do mundo a treinar monitores para atendimento aos visitantes, algo de que o próprio Pietro Bardi se encarregava. A forma de apresentar as obras também era singular para a época: os quadros da coleção permanente ficavam suspensos por cabos de aço, com iluminação planejada, e não presos em paredes.

Grandes exposições promovidas pelo museu nos seus primeiros anos, como a mostra do arquiteto franco-suíço Le Corbusier, a mostra de joias e móbiles do americano Sandy Calder, uma série de desenhos inéditos do romeno-americano Saul Steinberg e um desfile de modelos do estilista francês Christian Dior impulsionaram as visitas, o interesse e a importância do museu para o Brasil, o que favoreceu a construção de uma sede própria.

A primeira Bienal Internacional de Arte de São Paulo havia ocorrido em 1951, no Trianon, na Avenida Paulista, em um edifício precário doado à prefeitura. Em 1953, o prefeito Jânio Quadros bateu o martelo: o edifício, sem condições de segurança, seria mesmo demolido. Em 1957, o prefeito Adhemar de Barros, em retribuição à colaboração dos Diários Associados à sua campanha, doou o terreno vazio ao Masp para a construção de sua sede.

Lina Bo Bardi, arquiteta e esposa de Pietro Bardi, concebeu o prédio atual do Masp. Em seu projeto, foi preservada a vista para o Anhangabaú, vale no centro de São Paulo, a cerca de 2 km dali: o edifício é sustentado por quatro pilares laterais, com vão livre de mais de 2000 m². A inovação foi viabilizada pelo trabalho do engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz. Algumas alterações de projeto foram feitas ao longo da construção, que só terminou em 1968. Interpreta-se, por exemplo, a introdução de paredes transparentes como uma resposta de Lina ao Golpe de 1964.

Ao mesmo tempo em que o Masp se consolidava nacionalmente, crescia seu acervo e o seu reconhecimento internacional. Entre 1953 e 1957, houve uma grande turnê de obras do Masp pela Europa e pelos Estados Unidos, tendo estas passado por importantes museus, como o Musée de l’Orangerie, em Paris, a Tate Gallery, em Londres, o Metropolitan Museum of Art, em Nova York, e o Toledo Museum of Art, em Ohio, a 90 km de Detroit.

A excursão internacional tem uma particularidade interessante: não teria sido realizada por convite estrangeiro, mas por pedido de Chateaubriand a diretores de museu franceses. Chateaubriand teria usado a excursão, que acabou sendo um sucesso, para provar aos críticos brasileiros que suas obras eram autênticas. A desconfiança tinha uma razão de ser: o Masp, frequentemente, passava à frente de outros museus mais tradicionais na aquisição de certas obras, além de, algumas vezes, pagar mais barato por certas obras. A justificativa para isso era simples: a decisão de aquisição de obras para o acervo do Masp era centralizada, decidida unicamente por Chateaubriand e Pietro Bardi, ao contrário do que ocorre tradicionalmente em museus de todo o mundo (e hoje, também no próprio Masp), em que qualquer decisão sobre o acervo passa por conselhos curadores.

No entanto, nem tudo foram flores. O império jornalístico de Chateaubriand já não permitia a retirada de fortunas para a aquisição de obras de arte, em parte pela concorrência de outros grupos de comunicação, mas especialmente pelas dívidas assumidas no investimento nas novas mídias que começavam a surgir, como a televisão, fazendo escassear os recursos que permitiam a formação do acervo do museu.

A crise dos Diários Associados obrigou o Masp a recorrer ao dinheiro público para pagar dívidas contraídas no exterior para a expansão do acervo. As obras expostas nos Estados Unidos correram risco de ficar retidas, ainda no fim da década de 1950, durante o governo Juscelino Kubitschek. A Caixa Econômica Federal concedeu empréstimos ao museu e, assim, deteve o controle da coleção. Somente anos depois, já no início da década de 1970, essa dívida foi quitada, ainda que indiretamente, por meio de recursos das loterias.

Com a queda dos Diários Associados, a influência de Chateaubriand na política diminuiu muito. Se, no início, o Masp recebeu várias doações, inclusive do poder público, depois da crise no grupo de seu idealizador, o museu nunca teve o mesmo peso político e social no Brasil. A nova sede do Masp só foi inaugurada em 7 de novembro de 1968, decorridos mais de 10 anos de construção. Assis Chateaubriand não chegou a ver a inauguração da nova sede do Masp, pois morreu meses antes.

Em setembro de 1969, a coleção foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan. O acervo do museu tornou-se, assim, parte do patrimônio brasileiro. Apesar das dificuldades financeiras, o reconhecimento internacional do Masp cresceu. Inúmeras vezes as obras do Masp circularam em países estrangeiros, na América Latina, nos Estados Unidos, na Europa e no Oriente.

A importância do acervo do Masp mostrou-se óbvia para os leigos em 2007, devido ao roubo de dois quadros, “O Lavrador de Café”, de Cândido Portinari, e “Retrato de Suzanne Bloch”, de Pablo Picasso, em 20 de dezembro. Apenas estas duas obras já haviam sido avaliadas à época em mais de 50 milhões de dólares. Para o bem da arte e do Masp, as obras foram encontradas intactas, menos de um mês depois. Mas é um sinal inequívoco de que o Brasil tem acervo de arte mundial de reconhecido valor e precisa cuidar melhor dele. O Masp é parte importante disso.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.

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ISSN 2446-4759