relações internacionais em relevo
A expansão do sistema de Estados nacionais faz prosperar esta área do conhecimento

 ano 13  -  n.25  -   jan./jun. 2015 

por Larissa Perdigão

Larissa Perdigão
Marco do limite internacional entre Tijuana (México) e San Diego (Estados Unidos): considerada a mais movimentada passagem de fronteira entre Estados no mundo

O que vem à sua cabeça quando pensa em Relações Internacionais? Diplomacia? Comércio? Globalização? Estados nacionais? Política? Soberania? Guerra? Turismo? Organizações? Acordos? Cooperação? Ações humanitéárias? Estudos acadêmicos? Pois a área de Relações Internacionais engloba tudo isso e muito mais.

O tema de Relações Internacionais (ou RI, para os íntimos) surgiu no início da Idade Moderna, juntamente com o surgimento dos primeiros Estados nacionais. Falamos de Estados com territórios definidos e contíguos, e não de outras formas isoladas de administração, como as cidades-Estado da Antiguidade, cujo território não era bem definido. Se as RI surgiram na Europa, lá pelo século XVII, foi bem depois, nos séculos XIX e XX, que elas, juntamente com o sistema de Estados soberanos e independentes, se espalharam por todo o mundo.

A importância das RI no mundo contemporâneo está relacionada à inexistência de uma autoridade superior, máxima, única no planeta. Podemos olhar para o mundo e entendê-lo como sendo uma “anarquia internacional”, onde cada ente, ou seja, cada Estado independente, busca afirmar seu poder em relação aos demais Estados. Este é um dos pontos de vista mais comuns na área de RI, e é chamada de realismo.

O realismo está relacionado a uma das nossas expectativas em relação ao Estado em que vivemos e ao qual pertencemos: a segurança. Mais especificamente, a segurança nacional. Ora, não queremos que um estrangeiro comande o nosso país, estando a serviço dos interesses de outro país. Para garantirmos nossa soberania, então, nosso Estado investe na defesa nacional. Obviamente, cada Estado estrangeiro acaba fazendo o mesmo. Isso gera o que se convencionou chamar “dilema de segurança”: na busca por combater ou por precaver-se contra ameaças externas ou internas, acabamos fazendo crescer as soluções nacionais de segurança, como as forças militares. No entanto, estas mesmas soluções embutem em si problemas, ao ameaçar a segurança das pessoas, sejam nacionais ou estrangeiras. Eis o paradoxo.

A visão realista das RI reflete, de certa forma, um pessimismo quanto à natureza humana. Este viés entende que as RI são naturalmente conflituosas, e que as guerras são apenas mais uma forma, extrema, de solução desses conflitos de interesses, juntamente com coerções, retaliações, bloqueios comerciais, entre outras. Alguns realistas chegam a sugerir que há dois níveis de moralidade, um privado e outro público, e que o nível público de moralidade aceita certas ações que, na esfera privada, são intoleráveis.

Larissa Perdigão
Marco do limite internacional entre Pedernales (República Dominicana) e Anses-à-Pitres (Haiti): entre as menos movimentadas passagens de fronteira entre cidades vizinhas de Estados que mantêm entre si relações diplomáticas

Se você achou tudo isso muito negativo, fique tranquilo: não existe apenas essa forma de compreender as RI. Ao contrário: o primeiro evento de destaque mundial na trajetória histórica das RI, ocorrido logo após a Primeira Guerra Mundial, teve orientação bastante oposta a essa. A Liga das Nações, formada em 1920, refletia a visão de uma corrente chamada de liberalismo utópico.

Os Estados Unidos tiveram participação decisiva para o fim daquela guerra. O então presidente estadunidense, Woodrow Wilson, era um ex-professor universitário de Ciência Política. Wilson entendia que apenas a reforma do sistema internacional e o fortalecimento da democracia poderiam evitar uma nova guerra. Ele apresentou sua visão ao mundo em diversas ocasiões ao longo de 1917 e 1918, ganhando o prêmio Nobel da Paz de 1919. Com esse retrospecto, foi Wilson o principal responsável pela criação da Liga das Nações, que ele entendia como entidade garantidora da independência política e dos limites territoriais nacionais, qualquer que fosse o tamanho ou a força militar de cada Estado. No entanto, o Congresso estadunidense rechaçou a entrada do país na Liga das Nações, o que contribuiu para o enfraquecimento dessa organização internacional.

Wilson não foi o primeiro pensador liberalista. Ao contrário, suas ideias encontram raízes em escritos, por exemplo, de John Locke, no século XVII, de Jeremy Bentham e de Immanuel Kant, no século XVIII. Na visão liberalista, as RI têm base não apenas em conflitos, mas também em cooperações internacionais. Estas cooperações teriam quatro fundamentações principais: a sociológica, a da interdependência, a institucional e a republicana.

A fundamentação sociológica entende que as relações entre pessoas e grupos são mais cooperativas que as relações entre governos, e que, portanto, mais relações internacionais no nível dos indivíduos significaria mais paz. Outra fundamentação conclui que um mundo mais moderno é mais transnacional e que, em tal mundo interdependente, o bem-estar ganha força como valor, em detrimento de outros valores, como a segurança e o militarismo. Em outra frente, compreende-se que organizações e instituições internacionais melhores e mais fortes possibilitam o crescimento da confiança mútua entre Estados e reduzem o temor e as tensões. Por fim, o último alicerce do liberalismo vê a reprodução dos valores democráticos nacionais em nível internacional, ou seja, países mais liberais e éticos usam as bem-sucedidas receitas locais de resolução de conflitos derivadas dos valores democráticos também em suas interações internacionais.

Se a visão liberalista dominou a cena nas RI do fim da década de 1910 ao fim da década de 1930, e a concepção realista assumiu o papel e se manteve como visão hegemônica até meados da década de 1960, a partir da década de 1970, surgiram novas concepções em RI, o que arejou esta área do conhecimento e deu novo ímpeto a ela.

Entre esses novos entendimentos, encontra-se a escola inglesa, ou escola da sociedade internacional. Trata-se do ponto de vista de um grupo de especialistas mais alinhados com a visão realista, mas que colocam as ideias e as ideologias no centro da lente com que se observam as RI. Em outras palavras, estes estudiosos descartam a ideia da existência da “anarquia internacional” como caos. Para eles, há, sim, um conjunto de convenções pelas quais os Estados interagem. Entre estas convenções, estão a diplomacia, as balanças de poder, as alianças militares, até mesmo a guerra. Tal abordagem, ao enfocar as ideias, põe no centro os aspectos humanos ao, por exemplo, buscar interpretar ações e pensamentos dos atores das RI. De certa forma, a escola inglesa ocupa um espaço entre os extremos do realismo e do liberalismo, mas mostrando identidade própria.

Outra corrente contemporânea que põe as ideias no centro da discussão e da análise das RI é a do construtivismo social. Os estudiosos que se guiam por esta concepção chegam a negar o peso das forças materiais no movimento das forças internacionais, dizendo que estas são feitas de ideias. Ainda podemos citar mais uma: a economia política internacional. Na verdade, esta não é uma corrente, mas um conjunto de teorias que se propõem a estudar as RI pelo viés da economia. Entre as teorias que tratam de economia política internacional estão o mercantilismo, o liberalismo econômico e o marxismo. A primeira enxerga a economia como subordinada à política; a segunda vê uma autonomia da economia em relação às políticas dos Estados; a terceira entende que a classe ou grupo que domina a economia também domina a política.

Talvez você esteja se perguntando o que um profissional de RI pode fazer com esses conhecimentos. Saiba que as áreas de trabalho das RI não são poucas e vêm se expandindo muito fortemente nas últimas três décadas, não somente nos países desenvolvidos, mas também no Brasil. No setor público, há oportunidades na diplomacia, em ministérios ou agências com interfaces internacionais (meio ambiente, comércio exterior, inteligência, regulação), em estados e municípios que mantenham diálogos diretos com instituições internacionais, ou nas próprias instituições, como serviços consulares estrangeiros ou organismos internacionais. No setor privado, empresas multinacionais, empresas de comércio exterior e bancos são exemplos de empregadores de internacionalistas. Por fim, a carreira acadêmica, seja em instituições públicas ou em particulares, tem se mostrado uma opção para muitos bacharéis em RI.

Mas será que as RI seguirão como uma área do conhecimento no futuro? Tudo depende da continuação dos Estados nacionais como forma preferencial de organização do mundo. O mais provável é que, enquanto houver Estados independentes sem um governo central de autoridade mundial, as RI continuem sendo necessárias.

Vale destacar, em relação a isso, que nem sempre tivemos Estados nacionais. O Império Romano, por exemplo, em seu tempo, dominava quase a totalidade do mundo ocidental e, de certa forma, era uma autoridade universal. Nos tempos medievais, a organização estatal era extremamente fragmentada. Ou seja, da mesma forma que experimentamos outras formas de organização do mundo na História, poderemos experimentar novas formas no futuro. O que será das RI em novos contextos, é impossível dizer. Tão impossível quanto não termos ou não fazermos Relações Internacionais na atualidade.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.

Comissão editorial
Larissa Perdigão
Michelle Zampieri Ipolito
Glauco Lini Perpétuo
Silvana Gaiba

Jornalista responsável
Larissa Perdigão (MTb/SP 37654)

Imprenta
Brasília, DF, Brasil

ISSN 2446-4759