teia de segredos vem sendo revelada
A fabricação da seda de aranhas tem química simples, mas de compreensão ainda parcial

 ano 19  -  n.37  -   jan./jun. 2021 

por Larissa Perdigão

Pxhere/369710/CreativeCommons
Teia de aranha recoberta por orvalho: ciência faz progressos no entendimento

No confronto de igual para igual, a seda das aranhas é mais forte que o aço usado na construção de arranha-céus e mais resistente que o polímero kevlar usado em coletes à prova de balas. Mas a seda não surge assim. Ela nasce líquida. Agora, cientistas deram mais um passo para entender como um frágil líquido ganha tamanha força depois de expelido pela aranha.

As aranhas usam suas glândulas sericígenas, ou glândulas de seda, situadas em seus abdomens, para produzir as substâncias líquidas que são precursoras da seda. Trata-se de uma mistura de proteínas, especialmente espidroínas, e outras substâncias, que são expelidas pela aranha pelas fiandeiras, que são apêndices do abdômen, localizados na traseira da aranha. As fiandeiras controlam a quantidade de secreção expelida, o que implica em uma seda mais fina ou mais grossa, conforme a necessidade.

Já se sabia que, quando a secreção líquida encontra o ar, transforma-se em seda, usada, por exemplo, na construção da teia. Também se sabia que essa grudenta pasta de proteínas não muda, apenas, da fase líquida para a sólida. Na verdade, as espidroínas, que são as principais proteínas da seda, atuam como blocos de construção, dobrando-se e entrelaçando-se, criando uma estrutura altamente organizada sem a orientação de qualquer força externa.

Aqui começam as dúvidas dos cientistas. Como, afinal, uma substância predominantemente líquida, já secretada pela aranha, consegue se solidificar e, mais do que isso, consegue se estruturar sozinha? Isso é tão surpreendente quanto se víssemos argila transformando-se em cerâmica sem qualquer intervenção e, depois, organizando-se espontaneamente para estruturar uma parede. Cientistas estão há décadas tentando compreender tal processo, ou mesmo reproduzi-lo em laboratório, na esperança de revolucionar a construção de materiais que, além de extremamente fortes, sejam sustentáveis.

Primeiro, em pré-publicação de junho de 2018 na revista Nature Communications, um grupo de pesquisadores da Universidade de Würzburg, na Alemanha, mostraram a descoberta de novos detalhes moleculares de automontagem de um dos terminais conectores de espidroínas na formação da fibra de seda de aranha. São dois os terminais conectores: os de tipo N, de amina, um grupo com nitrogênio, e os de tipo C, de ácido carboxílico, um grupo que contém carbono.

Especificamente, o grupo da universidade alemã estudou os terminais C das espidroínas. Esse tipo de terminal C liga espidroínas com a formação de uma estrutura molecular entrelaçada, parecida com uma pinça. O estudo mostrou que essa pinça molecular se monta automaticamente em duas etapas bem definidas, sendo a primeira a da ligação química e a segunda a da conformação molecular de entrelaçamento. Um dos autores, Hannes Neuweiler, professor do Instituto de Biotecnologia e Biofísica da Universidade de Würzburg, já havia previsto que o resultado de seu estudo poderia ajudar os especialistas em ciência de materiais a reproduzir a seda natural da aranha em laboratório.

Mais recentemente, em novembro de 2020, um grupo de cientistas da Universidade de Kyoto publicou um artigo na revista Science Advances detalhando um estudo científico sobre o tema. A contribuição dos pesquisadores da universidade japonesa foi no sentido de entender um pouco melhor o processo químico de conversão do líquido liberado pelas aranhas, rico nas proteínas chamadas espidroínas, em seda para suas teias. Agora, a ciência conhece uma nova maneira de lidar com esse problema, conseguindo reproduzir parcialmente a saída ordenada da secreção das fiandeiras com recursos químicos de laboratório.

Os pesquisadores de Kyoto descobriram que parte crucial da confecção do fio requer o aumento da concentração de espidroínas, algo que é feito pela separação das espidroínas da mistura aquosa que as envolve dentro das glândulas sericígenas. Em etapa posterior, o contato com uma substância ácida faz com que as proteínas formem cadeias estáveis de polímeros. Com isso, os pesquisadores adicionam mais um tijolo na construção do conhecimento de como a seda é sintetizada.

Parece simples, mas não é. Enquanto ainda estão nas glândulas sericígenas, as espidroínas precisam ficar em suspensão, em uma forma líquida muito viscosa. Se a seda endurecesse antes da saída pelas fiandeiras que estão na parte traseira do abdômen, obstruiria a passagem de forma irreversível. Se demorar muito para endurecer, a aranha apenas expeliria um líquido disforme. O estudo dos tempos e das quantidades certas de eliminação da água e de adição de ácido será fundamental para a repetição da síntese desse material em laboratório.

Outra descoberta do grupo japonês é a de que a autoestruturação da seda na forma sólida depende da desidratação das espidroínas enquanto se movem pelo corpo da aranha. Esta parece ser a condição para que os terminais C das espidroínas se liguem aos terminais N.

Tudo isso pode parecer complicado, mas, em realidade, é de uma simplicidade fantástica. A atual síntese de polímeros requer força bruta: solventes perigosos à vida são usados em condições extremas de temperatura e pressão para a realização das reações em cadeia exigidas na polimerização. A aranha consegue fazer a mesma coisa de uma forma inacreditavelmente simples: eliminando a água a separar os monômeros e adicionando ácido na quantidade certa para a reação.

Os cientistas ainda não sabem o suficiente sobre este processo para recriá-lo em laboratório por inteiro. Mas as pesquisas realizadas na Alemanha e no Japão mostram que a ciência é construída assim, parte por parte, até que o processo seja totalmente conhecido. No caso das teias, ainda estamos atrás das aranhas. Mas, quando dominarmos completamente os procedimentos, poderemos ter polímeros tão baratos, resistentes e sustentáveis quanto os aracnídeos.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.

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ISSN 2446-4759