combustíveis veiculares: gás, etanol e o futuro
Combustíveis alternativos são comuns no Brasil e, agora, crescem no mundo todo

 ano 19  -  n.38  -   jul./dez. 2021 

por Gabriel Sirino Leite e Larissa Perdigão

Larissa Perdigão / 2 dez.2012
Sede da empresa estatal petrolífera Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), em Buenos Aires

Difícil imaginar um futuro com apenas veículos elétricos. Estes veículos dependem de recarga, ou, como já se vislumbra, de postos de troca de pesadas baterias. A flexibilidade proporcionada pelos combustíveis não consegue ser alcançada na eletrificação, e isso faz com que seja importante conhecermos os combustíveis atuais e buscar outros, que preservem essa capacidade e, ao mesmo tempo, ofereçam menor impacto ambiental.

Dois desses combustíveis são o gás natural e o etanol, ao menos, se comparados aos combustíveis líquidos derivados do petróleo, gasolina e diesel, tratados em artigo nesta mesma edição. O gás natural, como o nome sugere, é um combustível que também é extraído do subsolo, da mesma forma que o petróleo e, às vezes, dos mesmos locais de prospecção que o líquido escuro. Ambos, afinal, são combustíveis fósseis.

Essencialmente, o gás natural é composto por hidrocarbonetos voláteis, como o metano. As moléculas menores fazem com que essa mistura se apresente na forma gasosa, e não líquida ou sólida. Também são as moléculas menores, mais simples, que permitem uma combustão mais completa e, portanto, mais limpa com menos material particulado. A emissão de gás carbônico, no entanto, não é significativamente menor.

A propósito, o motor que usar gás natural precisa estar muito bem regulado, com os tanques bem vedados, para que o uso do gás natural não cause um impacto ainda maior na atmosfera em relação ao efeito estufa. É que o metano, o principal componente do gás natural, é um gás com potencial estufa mais de 20 vezes maior do que o do gás carbônico no horizonte de um século. Se o motor está desregulado e o gás é liberado sem queimar, o resultado é muito ruim para o planeta.

O gás natural é comercializado em postos de combustíveis de muitos estados do Brasil, sempre sob o nome comercial de GNV, ou seja, gás natural veicular. Estes postos são mais fáceis de encontrar nas regiões servidas por gasodutos. A frota mundial é relativamente pequena, de menos de 30 milhões de veículos, e concentrada em poucos países, sendo que, dos dez primeiros, três estão na América do Sul: Argentina, Brasil e Colômbia, pela ordem de tamanho da frota.

Por sua vez, o etanol usado em automóveis não é um combustível fóssil. Ele é produzido a partir de plantas ricas em açúcares simples, fáceis de quebrar, como a cana-de-açúcar, o sorgo e a beterraba. Por ter como fonte vegetais que podem ser replantados, o etanol é considerado renovável. Seu índice de octanagem é maior do que o da gasolina, porém, ele tem uma densidade energética menor, ou seja, um litro de etanol guarda menos energia química de combustão do que um litro de gasolina.

A versão de etanol vendida nos postos de combustíveis é a hidratada, que foi liberada pela Agência Nacional do Petróleo brasileira no fim de 2018 para ter apenas algo entre 92,5% e 94,6% de etanol, podendo o restante ser água. Isto significa que a energia presente no etanol hidratado é ainda menor que aquela verificada no etanol anidro, já que água já é uma substância oxidada em seu grau máximo e, portanto, não entra em combustão, não volta a reagir com oxigênio.

O etanol, diferentemente dos combustíveis fósseis, é um combustível nobre também em sua composição. Não há diferença se o etanol foi feito por uma usina ou por outra, porque etanol é uma substância, não uma mistura. Eventuais resíduos são desprezíveis. É diferente, portanto, dos combustíveis fósseis, em que há uma mistura de diversos hidrocarbonetos, diferente para cada bacia petrolífera de origem, além de uma quantidade não desprezível de resíduos. O significado disso é que o etanol, via de regra, dispensa aditivos detergentes. Embora exista, o etanol aditivado é muito mais engodo do que necessidade.

O Brasil foi pioneiro no uso de etanol como combustível. Incentivos à produção do líquido e, também, de veículos preparados para consumi-lo levaram a uma situação em que, em vários anos da década de 1980, a maioria dos veículos zero-quilômetro vendidos no Brasil adotava esse combustível. Abandonados em função de desabastecimentos severos em fins daquela década, o etanol pôde renascer pela sua adição à gasolina e pela adoção da tecnologia de flexibilização de combustível, em que motores estão preparados para aceitar gasolina e etanol em qualquer proporção.

Combustíveis gerados a partir da biomassa vegetal são tidos como mais limpos por consumirem carbono na atmosfera durante o crescimento das plantas, compensando o carbono que gerarão na sua combustão. Mas há outros poluentes, como o ozônio, o monóxido de carbono, aldeídos, hidrocarbonetos, óxidos de enxofre e de nitrogênio e materiais particulados, emitidos pelos diversos combustíveis tratados nestes dois textos.

A crescente preocupação com o ambiente, especialmente com a qualidade do ar nas cidades e com o aquecimento global, leva à pesquisa e ao desenvolvimento de combustíveis mais limpos. O combustível que mais se sobressai nesse contexto atualmente é o gás hidrogênio. Uma vez que a água é formada por hidrogênio e oxigênio, basta quebrá-la com eletricidade, em um processo chamado de eletrólise, para obter gás hidrogênio e, também, gás oxigênio. A sua combustão é exatamente o processo contrário da eletrólise, o que significa que queimar gás hidrogênio gera apenas água. Não gera materiais particulados, tampouco óxidos de carbono. Isso sem falar na sua pureza, na sua nobreza, ainda maior que a do etanol.

O uso de gases como combustíveis em veículos não é elementar. Gases ocupam muito espaço para a quantidade de energia que podem fornecer. Em outras palavras, gases têm uma baixíssima densidade de energia. Durante a Segunda Guerra Mundial, em função da baixa disponibilidade de petróleo e de seus derivados, diversos veículos foram convertidos para funcionar com o chamado gás de rua, um combustível derivado do carvão, muito usado nas cidades na primeira metade do século XX, produzido em usinas chamadas no Brasil de gasômetros, tendo 45% de hidrogênio, 35% de metano e 20% de outros gases. Tais veículos possuíam balões gigantescos sobre seus tetos, às vezes, com volume maior que o próprio veículo.

Uma solução para isto é fazer com que os gases combustíveis para veículos sofram compressão. Às vezes, são armazenados ainda como gases, mas a alta pressão. Em outros casos, a compressão liquefaz o gás. De qualquer forma, demandam-se recipientes resistentes à pressão, normalmente pesados, caros e demandantes de um espaço adicional no próprio veículo. Isto explica em parte, o fato de haver menos de 30 milhões de veículos movidos a gás em operação no mundo.

O gás hidrogênio, ainda que seja muito leve, armazenando muita energia por quilograma, tem complicadores adicionais. Tem compressão mais cara, mais perigosa e, mesmo que se consiga liquefazer, segue tendo densidade de energia menor que a da gasolina. Mas o hidrogênio ganhou um contraponto muito forte a seu favor: o desenvolvimento de células a combustível. Em lugar de ser queimado dentro de cilindros, como nos motores a combustão, o hidrogênio é consumido em uma célula galvânica. Em outras palavras: uma pilha. Ou, ainda melhor: uma bateria, que é uma sequência de pilhas ligadas em série. A energia dessa pilha, uma energia elétrica, abastece um motor elétrico como o de qualquer veículo elétrico. Já há diversos veículos produzidos em série dotados dessa tecnologia, especialmente de montadoras japonesas.

Em tese, qualquer combustível poderia abastecer uma pilha. Porém, a tecnologia precisa ser desenvolvida. Foram décadas de pesquisa até se conseguir fazer isso com o combustível quimicamente mais simples e leve que existe, que é o gás hidrogênio. Agora, a meta é conseguir o mesmo com o metanol e com o etanol. Seria ótimo: eles são combustíveis líquidos, muito mais fáceis de armazenar. Etanol tem molécula maior, mas sua produção para combustível veicular já é uma realidade. Para o metanol, molécula mais simples que a do etanol, há projetos complexos que buscam baixíssimo impacto ambiental. Gás hidrogênio seria obtido por eletrólise, usando energia elétrica de fonte eólica, e combinado a dióxido de carbono extraído da atmosfera para obtenção do metanol.

As mesmas substâncias, gás hidrogênio e dióxido de carbono, podem ser usadas para gerar gasolina e diesel sintéticos. Neste caso, seria possível abastecer os motores atuais com esse combustível mais limpo. Uma conhecida montadora alemã de elite defende com vigor esta última alternativa ante o carro elétrico, chamando a gasolina sintética de e-fuel.

Há uma lógica nisso. Não é elementar resolver o equivalente à pane seca em um veículo elétrico movido a baterias recarregáveis. Um carro não é um telefone celular, afinal. Portanto, combustíveis continuarão sendo a melhor alternativa, especialmente os líquidos. Mas eles, assim como os motores e as células a combustível, podem evoluir muito em direção a um futuro mais limpo e sustentável. E é para lá que a tecnologia de combustíveis está indo.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.

Comissão editorial
Michelle Zampieri Ipolito
Larissa Perdigão
Glauco Lini Perpétuo

Jornalista responsável
Michelle Zampieri Ipolito (MTb 12949/DF)

Imprenta
Brasília, DF, Brasil

ISSN 2446-4759