a criação dos elementos químicos
A tabela periódica não nasceu junto com o Big Bang

 ano 20  -  n.40  -   jul./dez. 2022 

por Natan Andrade da Guia

ESA/Hubble/Nasa/Wikimedia Commons/CC BY 3.0
Galáxia NGC 5806 em 2005, após supernova (ponto amarelo pálido no braço inferior)

Olhe para as estrelas. Penseá na beleza de tudo o que as envolve. Talvez você não tenha pensado que é nelas que ocorre uma das transformações mais significativas do universo. A síntese natural de todos os elementos químicos, que é a forma como a matéria se expressa, deve-se às estrelas: à sua vida e à sua morte.

Estima-se que o universo teve seu início há cerca de 14 bilhões de anos, originado por uma grande explosão conhecida como Big Bang. Uma série de processos físicos e químicos aconteceu imediatamente nos primeiros segundos após a explosão, originando toda a matéria existente hoje no universo.

E, falando em primeiros segundos, pela teoria do Big Bang, estes foram, de fato, os primeiros segundos do universo. Antes do Big Bang, diz a teoria, o tempo não existia. Sim, é isso mesmo: o Big Bang também teria dado origem ao tempo. Acredita-se que o tempo teve seu início a partir da grande explosão, que formou incontáveis partículas subatômicas.

No início, as temperaturas eram muito altas, superando milhões de graus Celsius. Nestas condições, era impossível que quaisquer porções de matéria se aglomerassem para a formação de novos corpos. Porém, à medida que o universo se expandia, ele se resfriava, fazendo as partículas se moverem mais devagar. Isso permitiu a ação efetiva de uma poderosa força atrativa, conhecida como força nuclear forte. Esta força possui um curto alcance e atua entre os quarks, as partículas formadoras dos prótons e nêutrons, mantendo-os coesos e impedindo que os prótons sejam eletricamente repelidos uns pelos outros. Surgiram, assim, os primeiros núcleos atômicos.

Entretanto, o átomo ainda não estava formado. Para isso, foi necessário que a temperatura do universo continuasse a diminuir. Houve um momento em que outra força, relativamente mais fraca, mas de mais longo alcance, conseguiu agir sobre os núcleos recém-formados: a força eletromagnética. A força eletromagnética atua em partículas eletricamente carregadas. Dessa forma, os núcleos atômicos que possuem prótons carregados positivamente uniram-se aos elétrons carregados negativamente e formaram os primeiros átomos. Os nêutrons não são afetados pela força eletromagnética porque, como o nome sugere, são eletricamente neutros, não possuindo cargas.

Cerca de apenas algumas horas após o Big Bang, a maior parte da matéria formada havia esfriado o suficiente para a formação dos átomos, encontrando-se, majoritariamente, na forma de átomos de hidrogênio e hélio, os dois primeiros elementos químicos da tabela periódica. Esta situação permitiu que uma terceira força, a força gravitacional, pudesse atrair os átomos uns em direção aos outros, criando imensas nuvens de hidrogênio e hélio. Essas nuvens do que se convenciona chamar de gás primordial são conhecidas como nebulosas.

Se a massa resultante da nebulosa for baixa, nada acontece: ela se mantém como nebulosa. Entretanto, se a massa for alta o suficiente, a nebulosa é sensível à ação da força da gravidade, e os átomos de hidrogênio são atraídos ao seu centro. A grande quantidade de matéria comprimida em um espaço pequeno começa a esquentar, até atingir uma temperatura próxima de dez milhões de kelvins. Com isso, inicia-se a fusão nuclear dos átomos de hidrogênio em átomos de hélio. Assim nasce uma estrela. A queima do hidrogênio, aliás, é a fase mais estável de uma estrela, correspondendo a cerca de 90% do seu tempo de vida. O que ocorre depois disso é que varia

Os astrônomos classificam estrelas de acordo com o seu tamanho e com o seu estágio evolutivo. Tais características dependem da massa e, como consequência, da força gravitacional que a estrela experimenta. Quanto maior a massa, maior será a força gravitacional. Essa força atua empurrando os átomos da estrela em direção ao seu núcleo. Como resposta, há o surgimento de uma força decorrente da fusão atômica que empurra os átomos de volta em direção à superfície estelar. A ação de ambas as forças garante a estabilidade da estrela, impedindo o seu colapso.

Estrelas pequenas e com pouca massa conseguem fundir todos os átomos de hidrogênio em átomos de hélio. Nesse caso, a força gravitacional só é suficiente para comprimir os átomos de hélio em direção ao núcleo, sendo insuficiente para dar continuidade ao processo de fusão nuclear, ou seja, transformando hélio em elementos mais pesados. Como resposta ao aumento gradativo da densidade da estrela, as forças de repulsão entre os elétrons passarão a agir, empurrando os átomos de volta para a superfície. Este equilíbrio manterá a estrela estável, mas, cessada a reação termonuclear, diz-se que esta pequena estrela morreu, tornando-se uma anã branca.

Estrelas que possuem massas semelhantes à massa do nosso Sol tornam-se gigantes vermelhas. Neste tipo de estrela, a força da gravidade é capaz de fundir não somente átomos de hidrogênio em hélio, mas de iniciar uma série de fusões nucleares dos átomos de hélio, possibilitando a formação dos átomos de berílio, carbono, oxigênio, neônio, magnésio e outros elementos mais pesados.

Uma gigante vermelha sintetizará todos os elementos químicos até o ferro, de número atômico 26, ou seja, até o elemento químico que apresenta núcleos atômicos de 26 prótons. A partir do ferro, para que ocorra a fusão nuclear para elementos mais pesados, seria necessário o fornecimento de energia. É diferente das fusões anteriores, de elementos mais leves que o ferro, nas quais eram liberadas energias, às vezes em quantidades expressivas.

Ao final da fase de gigante vermelha, duas coisas podem acontecer: as estrelas podem se tornar anãs brancas ou podem ejetar a maior parte de sua matéria para o espaço, tornando-se nebulosas planetárias. O Sol, a estrela do nosso sistema solar, assumirá uma dessas formas, provavelmente a de anã branca. Mas não há motivos para se preocupar: ela ainda está na fase de queima do hidrogênio, levando alguns bilhões de anos até passar a gigante vermelha e, eventualmente, tornar-se uma anã branca.

Existem, ainda, estrelas que são muito maiores que o Sol. Elas possuem tanta massa que o processo de fusão dos átomos de hélio em átomos mais pesados acontece antes mesmo que todo o hidrogênio tenha sido consumido. Inicialmente, seu destino é parecido com uma gigante vermelha: átomos de hélio, carbono e oxigênio sofrerão fusão até se tornarem átomos de ferro.

O ferro, por sua vez, não sofre fusão devido à falta de energia. O núcleo da estrela passará a ter quantidades cada vez maiores de ferro até que a estrela entrará em colapso devido à força gravitacional. O colapso da estrela causará a sua explosão, liberando altíssimas quantidades de energia para o espaço. Esta explosão é chamada de supernova e, a partir dela, elementos químicos mais pesados que o ferro, tais como chumbo e ouro, são formados. Todos os elementos químicos naturais, do cobalto ao plutônio, foram sintetizados dessa maneira.

Além dos 92 elementos químicos naturais, existem também 26 elementos químicos sintéticos, ou seja, elementos químicos produzidos por cientistas em aceleradores de partículas. Atualmente, a tabela periódica possui 118 elementos, sendo os quatro últimos elementos (nipônio, moscóvio, tenesso e oganessônio) adicionados a ela em 2015.

A matéria remanescente da supernova pode dar origem a uma série de novos corpos celestes. Existe a possibilidade, inclusive, de só restar uma anã branca. Se forem formadas nebulosas planetárias, o universo pode se encarregar de criar um novo sistema solar, assim como ocorreu com o nosso, bilhões de anos atrás. Por isso, o físico e astrônomo americano Carl Sagan (1934-1996) dizia que somos pó de estrelas.

Se os remanescentes da estrela morta possuírem uma massa pequena, mas superior à massa de uma anã branca, os átomos podem ser comprimidos pela força gravitacional em um pequeno raio. Neste momento, os elétrons e prótons dos átomos se juntam, formando nêutrons, originando uma estrela de nêutrons.

A possibilidade mais intrigante, porém, trata da formação de corpos que possuem quantidades elevadíssimas de massa concentradas em volumes muito pequenos. Este estranho objeto com densidade quase infinita é conhecido como buraco negro: um aglomerado de matéria tão denso que distorce o espaço à sua volta, causando até o desvio da luz que chega perto da influência de seu campo gravitacional.

Todos os eventos descritos, do nascimento à morte de uma estrela, levam bilhões de anos para ocorrer, o que significa que um cientista vivo hoje, não verá nem nascimento nem morte de uma estrela como um evento pontual, embora possa ver supernovas, que são eventos mais curtos, de semanas ou meses, e que vêm sendo observados à média de três por século. Mas este fato, de modo algum, é um empecilho para a busca do conhecimento. O lançamento do telescópio espacial James Webb, em dezembro de 2021, deve nos ajudar a entender os mistérios do cosmos, das estrelas e, quem sabe, de novos elementos químicos.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.

Comissão editorial
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Jornalista responsável
Larissa Perdigão (MTb 37654/SP)

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ISSN 2446-4759