avanços tecnológicos medievais
O progresso da tecnologia na Idade Média foi muito maior do que muitos imaginam

 ano 21  -  n.41  -   jan./jun. 2023 

por Larissa Perdigão

Kahunapule Michael Johnson/Flickr/CC BY-SA 2.0
Réplica da imprensa de Gutenberg em museu de Washington, DC, EUA: tecnologia medieval

Ao contrário do que possa parecer, a tecnologia avançou muito na Idade Média. A confusão se dá com a ciência. Esta, sim: ao depender mais de método e de intelectualidade e menos de aleatoriedade e fé, estagnou no Medievo. Definitivamente, não é o caso da tecnologia.

No campo, técnicas agrícolas aumentaram a produtividade das plantações. Foi na Idade Média que a alternância de espécies na mesma terra passo a ser aplicada. A receita era rodar três espécies diferentes, dividindo a área cultivável em três e fazendo o ciclo de plantação sempre distinta em cada terço. Arados mais capazes de perfurar solos argilosos e a adoção em massa de moinhos de vento, rodas d’água e canais facilitaram outras tarefas, como preparar o solo, irrigá-lo e, depois, tratar das sementes colhidas.

A propósito, o aproveitamento da energia do vento e das correntes de água também serviu não somente ao beneficiamento da produção agrícola, mas também na produção têxtil, fazendo mover rodas de fiar e, em uma etapa anterior, preparando a lã.

Em termos de maquinário, aliás, a produção do ferro em altos-fornos é medieval, e foi a partir da obtenção de ferros de propriedades mais diversas que se conseguiu obter instrumentos diversos: ferramentas agrícolas, armas e a própria imprensa de Gutenberg.

Os passos iniciais das Grandes Navegações se situam no fim da Idade Média, e só foram possíveis graças a inovações do Medievo europeu, próprias ou importadas. A bússola cai no último caso: veio da China. Mas houve, também, avanços no astrolábio, na cartografia, na construção das naus, entre outros progressos. Estendendo a questão das construções, note-se que o estilo gótico permitiu edifícios mais altos e estáveis.

O estilo gótico, aliás, foi abraçado pela Igreja. Sua monumentalidade parecia compor o cenário ideal para o trabalho de religiosos, fosse ao preservar manuscritos contendo conhecimentos técnicos, fosse ao copiá-los para distribuição a outras bibliotecas de outros mosteiros, fosse ao fazer experimentações. A imagem dos monges cervejeiros não é falsa: muitas congregações se dedicavam a esta tarefa, que, naturalmente, exigia técnicas apuradas de jardinagem, de agricultura, de beneficiamento de cereais, de seleção de fermentos naturais, de metalurgia. A experimentação não tinha método: era na base da tentativa e erro, mas chegava a bom termo, mesmo que demorasse mais.

Falando em mosteiros, estes tinham, em geral, muitas terras. Assim, eram o lugar ideal para a inovação agrícola. Monges desenvolveram e implementaram técnicas agrícolas avançadas, como rotação de culturas, criação seletiva de gado, métodos de melhoramento do solo e uso de novas ferramentas.

Se a vida religiosa trouxe muitas inovações tecnológicas, não foi diferente no mundo secular. As corporações de ofício, ainda que usassem muito de sua força para controlar o mercado, também eram ricas e fortes o suficiente para fomentar inovações tecnológicas em suas respectivas áreas, além de manter seus escribas e copistas para preservar seus saberes na forma escrita. E ainda surgiram pela época as universidades, que, à moda escolástica, combinavam saberes religiosos com saberes laicos e também tiveram algum papel na preservação e na evolução tecnológicas.

Evidentemente, nem tudo foi positivo. Havia diversos fatores limitantes às possibilidades potenciais de avanços tecnológicos. A Idade Média foi uma época de escassez. Recursos raros não haveriam de poder ser desperdiçados em experimentações. Tampouco havia incentivos à inovação para além dos já mencionados: mosteiros e guildas. Não haveria de ser no campo feudal típico, com toda a sua estrutura voltada à autopreservação, que a inovação apareceria.

Outros fatores limitantes são: a baixa comunicação — muitos idiomas e dialetos, distâncias difíceis de transpor, inexistência da prensa que viria a massificar o livro —; a persistência de crenças religiosas e de comportamentos culturais conservadores, de resistência ao novo ou mesmo de oposição a certos ramos de experimentação, como anatomia, por exemplo; a falta de padronização das técnicas que, às vezes, tornava ininteligível a obra produzida em outro tempo e local; o acesso limitado de potenciais experimentadores ao capital e à estrutura de apoio necessários para o trabalho de desenvolvimento tecnológico.

Em suma, a despeito das oposições, das limitações, dos desafios, é absolutamente falso acreditar que a tecnologia medieva estagnou como a ciência da mesma época. O desenvolvimento foi lento: não havia método, faltava apoio, escasseava o ambiente urbano propício para a produção e a difusão tecnológicas. Mas ele aconteceu de forma incremental, cumulativa, fosse nos mosteiros ou nas urbes. Aliás, graças a essas valorização, preservação e evolução, as mudanças nas condições sociais e econômicas permitiram uma rápida virada de chave para um desenvolvimento tecnológico bem mais rápido nos períodos subsequentes, até hoje.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.

Comissão editorial
Larissa Perdigão
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Larissa Perdigão (Registro 37654/SP)

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ISSN 2446-4759