questão palestina: duelos tribais
A história da Palestina desde os tempos bíblicos. E nem assim se entende o porquê de tanta violência

 ano 1  -  n.2  -   jul./dez. 2003 

por Larissa Perdigão

Gary Hershorn
Rabin, Bill Clinton e Arafat: paz que não veio

Terrorismo de ambos os lados. Atentados suicidas, respondidos com operações militares, revidados com outros atentados, numa espiral infinita de violência. Claro que estamos falando do conflito israelo-palestino. Difícil é entender por que, até agora, não se chegou a um acordo definitivo que leve à paz entre judeus e palestinos. E fica mais difícil ainda depois de conhecermos toda a história política e religiosa da região.

Segundo a tradição religiosa, Abraão migrou de Ur, na região da Mesopotâmia (atual Iraque), para o vale do rio Jordão, na Palestina, mais de 1700 anos antes de Cristo. Ele teria tido dois filhos, de mães diferentes: Ismael, que teria formado a linhagem muçulmana, e Isaac, que seria ascendente dos atuais judeus. Ou seja, segundo a religião, tanto israelitas quanto palestinos descendem de Abraão.

Os descendentes de Isaac, que migraram para o Egito, retornaram séculos depois, e, por volta de 1000a.C., conquistaram boa parte da região e criaram o primeiro reino judeu, com capital em Jerusalém, sob a liderança do rei Davi. Décadas depois, o reino se fragmentou em dois, e os povos vizinhos, como os assírios e os babilônios, assumiram o controle da região, que ainda passou pelas mãos de gregos e egípcios.

Por volta de 60a.C., os romanos tomaram Jerusalém. Em 135d.C., após uma revolta frustrada contra o domínio romano, os judeus foram expulsos da Palestina, no episódio conhecido como Diáspora. No século 7, os árabes tomaram a Palestina e converteram parte da população local, predominantemente cristã, ao islamismo.

No século 19, surgiu na Europa o sionismo, movimento que pregava a criação de um Estado judeu. No fim do mesmo século, iniciou-se a migração de judeus para a Palestina. Em 1920, com o fim do Império Otomano, o território palestino passou a ser administrado pelos ingleses. Estes já haviam se comprometido com os sionistas, e passaram a facilitar a entrada de judeus na Palestina.

Em 1917, a população da Palestina era de 1,1 milhão de habitantes, sendo apenas 100 mil judeus. A perseguição nazista só fez crescer a migração judaica, que os britânicos já não conseguiam mais limitar. Isto levou a uma rebelião dos palestinos nativos, sendo vítimas tanto os britânicos quanto os imigrantes judeus. Grupos sionistas também passaram a ser hostis à presença britânica, que controlava a entrada dos judeus perseguidos em território palestino.

O Holocausto só aumentou a pressão internacional pela criação do Estado Judeu na Palestina. Em 1947, a ONU aprovou um plano de divisão da Palestina: 55% da área para os judeus e 45% para os palestinos. O plano foi rejeitado tanto pelos países árabes quanto pelos líderes palestinos. Os judeus não eram mais do que 30% da população da Palestina àquela época.

Com a perseguição de ambos os lados, os britânicos resolveram se retirar da área em 1948. Com isso, os judeus declararam a independência do Estado de Israel. O não-reconhecimento do novo país pelos países árabes levou à Primeira Guerra Árabe-Israelense. Sete meses depois, o resultado: Israel toma posse de mais uma parte da Palestina, totalizando 70% da área, enquanto a Faixa de Gaza é anexada pelo Egito, e a Cisjordânia, pela Jordânia. Jerusalém, antes declarada zona internacional, foi dividida entre Israel e Jordânia.

Como conseqüência, 900 mil palestinos fugiram ou foram expulsos de suas terras. Hoje já são cerca de 3 milhões. Este é o problema central que leva ao conflito entre israelenses e palestinos. Conflito que se agravou com o surgimento do Al-Fatah, grupo de guerrilha anti-sionista, no fim da década de 1950, e com a criação da OLP, a Organização para a Libertação da Palestina, em 1964.

Em 1967, após um acordo militar entre Egito, Síria e Jordânia, Israel decidiu promover um ataque preventivo a esses países, a chamada Guerra dos Seis Dias. Com esse ataque, Israel conquistou a península do Sinai (devolvida em 1982) e a Faixa de Gaza do Egito, a Cisjordânia e a parte oriental de Jerusalém, antes sob administração jordaniana, e a região síria das colinas de Golã, onde nasce o rio Jordão, fundamental no abastecimento de água para Israel. Com isso, Israel começou a promover a ocupação dessas áreas por colonos judeus, o que vem fazendo até hoje, dificultando uma futura retomada dos territórios pelos palestinos.

Yasser Arafat, de origem terrorista, presidente eleito da OLP, passou a buscar também o diálogo. Com isso, a OLP foi reconhecida pela ONU como representante do povo palestino. No entanto, Israel continuava a rejeitar a OLP, que tinha como princípio não reconhecer a existência do Estado de Israel. Para acabar com a OLP, instalada no Líbano, Israel invadiu o país vizinho em 1982.

A violência aumentou nas áreas ocupadas a partir de 1987, na chamada Intifada, e só diminuiu a partir de 1993, quando Yitzhak Rabin, primeiro-ministro de Israel, e Yasser Arafat definiram um acordo cujo objetivo final era a troca dos territórios conquistados em 1967 (Cisjordânia e Gaza) pela paz. Com isso, os dois, juntamente com Shimon Peres, chanceler de Israel, ganharam o Nobel da Paz de 1994.

Yitzhak Rabin, acusado de estar cedendo demais aos palestinos, acabou assassinado por um jovem judeu em 1995. O problema é que muitos israelenses querem que Israel ocupe a Palestina histórica por inteiro. Rabin estava fazendo o contrário. Ainda assim, a OLP serviu de embrião a uma agora enfraquecida Autoridade Nacional Palestina (ANP), já que sua autonomia vem diminuindo progressivamente desde 2000. O próprio Arafat foi isolado em várias ocasiões desde então.

O Mapa do Caminho, mais recente plano de paz para a região, prevê, em uma segunda etapa, a formação de um Estado palestino independente, embora não faça referências às fronteiras de antes de 1967, às quais os palestinos certamente não renunciarão. O problema é que a etapa zero, o fim da violência da Segunda Intifada, iniciada em 2000, parece estar longe de acontecer. É um duelo que não nega as suas origens tribais, incompreensível nos dias de hoje.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do Secular Educacional.

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