educação a distância: futuro da aprendizagem?
Entenda um pouco mais sobre esta modalidade de ensino, a cada dia mais utilizada
ano 9 - n.17 - jan./jun. 2011
por Larissa Perdigão
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O professor, devido ao seu papel prático na formação dos sujeitos, é parte fundamental em qualquer processo de manutenção ou de reforma do sistema educacional, pois é ele o responsável por implementar ou não as sugestões de mudanças nas políticas educacionais, nos currículos ou nas tendências pedagógicas. A boa prática docente deve estar avalizada por um bom conhecimento das teorias e práticas educacionais, dos conteúdos ministrados, dos currículos, e daquilo que se convencionou chamar conhecimento pedagógico do conteúdo, ou seja, da forma como ministrar de forma mais proveitosa um certo conteúdo particular. Neste contexto, ser professor é uma ação constituída e aprimorada na prática, enquanto o profissional (ou futuro profissional) reflete a partir da observação e da ação de situações reais.
Paralelamente, em todos os níveis de governo, observa-se um investimento crescente em educação superior a distância. No Brasil, os programas de educação a distância (EaD) estão na pauta da agenda governamental. A legislação está sendo revista e ampliada. Congressos, livros, artigos, enfim, a produção científica sobre o assunto é cada vez maior. Novos cursos são criados, com formatos convencionais ou inovadores. Mesmo com a nítida consolidação da modalidade, ainda persistem dúvidas e preconceitos. A discussão da EaD como uma política pública de inclusão e de desenvolvimento social e econômico envolve interesses diversos. As críticas que a modalidade EaD recebe, hoje, de muitos especialistas em educação, são pesadas e, no mínimo, devem ser discutidas e examinadas. Mas entendemos que, ainda que se insista em alegar que a EaD não funciona, é fato que é preciso estudar e entender como estão sendo formados os alunos nestes cursos, uma vez que os mesmos já estão implantados e em funcionamento. Em outras palavras, se a EaD é inevitável, ao menos precisamos entendê-la para melhorá-la.
Um grande número de autores defende a Educação como caminho para o bem-estar social e para a emancipação. Controvérsia maior se encontra ao levantarmos a posição de autores em relação a uma maior aproximação entre educação e tecnologia, seja em relação ao uso dessas tecnologias, ou à sua integração ao processo pedagógico. Há defesas e críticas. A argumentação dos críticos, em geral, acaba sendo paradoxal, pois a sociedade mundial vem se apoiando e se desenvolvendo crescente e aceleradamente em função das tecnologias que vêm sendo criadas e integradas ao cotidiano das pessoas, alterando rotinas e formas do pensar, do relacionar e do construir conhecimento. Para podermos ter uma visão mais ampla do quadro que se coloca, iniciaremos o estudo das relações que se estabelecem entre a educação e a tecnologia por meio de um apanhado histórico de suas origens.
Diversos teóricos, de variadas formações, como Manuel Castells, Armand Mattelard, Peter Burke e Néstor Canclini, realizaram contribuições para o entendimento da história da integração entre a educação e a tecnologia no mundo. E, apesar de a formação destes estudiosos ser diferente, há muito em comum entre os mesmos em relação a este entendimento. Por exemplo, é comum situar o início da necessidade de ampliação da comunicação com a Revolução Industrial do século XVIII, com um crescimento significativo deste imperativo em meados do século XIX, com um recuo do nacionalismo em prol da ampliação da integração comercial e cultural do mundo. Ao mesmo tempo, observou-se a satisfação desta necessidade de comunicação com a expansão da rede telegráfica mundial. Obviamente, o telégrafo era apenas um dos muitos inventos de uma época em que também foram desenvolvidos outros equipamentos e tecnologias de comunicação.
A percepção de que as relações entre conhecimento, tecnologia e processos de aprendizagem transcendem as salas de aula e passam, cada vez mais, por grupos sociais é um grande desafio colocado aos educadores. Daí viria a importância de compreender que ambientes tecnológicos de aprendizagem são muito mais que demonstração: constituem nova forma de assimilar e representar novas formas didáticas e educacionais do mundo contemporâneo. Diante deste quadro, acreditamos que devemos questionar como se usa a informática na educação, mas, não mais, se devemos ou não usar a informática na educação.
Quanto à educação a distância, nem sempre esta se baseou em redes de comunicação a distância ou mesmo em tecnologias informáticas, mas é fato que ambas estão fortemente interligadas atualmente. A EaD teria se desenvolvido induzida pela existência de uma demanda criada por pessoas, localidades ou grupos sociais em confinamento ou em isolamento físico ou temporal. Ou seja, indivíduos teriam a necessidade de estudar, mas a impossibilidade de espaço (pela distância ou pela dificuldade de deslocamento) ou de tempo (falta de flexibilidade de agenda, impossibilidade de presença em dois lugares simultaneamente) teria os impedido de usufruir do ensino presencial.
Consideramos haver dois fatores inter-relacionados que criam demanda por educação flexível em tempo e espaço: aumento das expectativas de vida com redução do tempo de validade do conhecimento. Uma vez que os indivíduos não têm, mais, tempo de vida menor ou igual à validade do seu conhecimento, ou seja, ao tempo em que o conhecimento que detêm é útil para o trabalho que desempenham, tornam-se necessárias novas formações ao longo da vida. Apesar desta demanda crescente, este desenvolvimento da EaD só foi possível porque houve o desenvolvimento das tecnologias de suporte, com consequente redução de custos. É possível identificar quatro gerações dessas tecnologias: a primeira, iniciada na década de 1840, baseada no texto escrito; a segunda, desenvolvida mais fortemente a partir de 1950, com o uso da televisão e do áudio (por rádio ou disco); a terceira, a partir dos anos 1960 e 1970, que integrou o uso das tecnologias das duas primeiras gerações em um sistema multimeios; e a quarta, iniciada na década de 1990 e que ainda vivemos hoje, apoiada em tecnologias de informação e de comunicação (TIC). Ou seja, há um histórico de iniciativas que favorecem o estudo independente, com a produção de materiais didáticos específicos para a EaD.
Mesmo no Brasil, apesar desta movimentação recente em torno da EaD, sua história é bem mais antiga, tendo início na década de 1930, com o surgimento da radioescola municipal do Rio de Janeiro. Nesta experiência educacional, transmissões radiofônicas eram combinadas com folhetos, esquemas de aulas e cartas. A experiência pública positiva motivou o surgimento de empreendimentos privados na área que, a propósito, existem até hoje, oferecendo cursos profissionalizantes , como o Instituto Rádio Monitor, em 1939, e o Instituto Universal Brasileiro, em 1941. Ao longo das décadas de 1940 a 1960, diversas iniciativas, como a Universidade do Ar, o Movimento Nacional de Educação de Base e o Sistema Radioeducativo Nacional buscaram promover a educação a distância por meio do uso do rádio. Na década de 1960, com a expansão do sistema de televisão, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) conseguiu a reserva de alguns canais com o intuito de implantar emissoras de televisão educativa. O primeiro destes canais a ir ao ar foi a TVE do Maranhão, em 1969. Mas fundações paraestatais e não governamentais também tiveram iniciativas na área da educação a distância, especialmente na década de 1970. Foram os casos da Fundação Roberto Marinho (Telecurso), Fundação Padre Anchieta (Telecurso e Projeto Minerva) e Fundação Landell de Moura (Projeto Minerva). O sistema Telecurso segue ativo até hoje, embora com novos parceiros.
A educação universitária ou superior a distância também não é nova. A inspiração remete ao século XIX, com experiências como um curso sueco de contabilidade, na década de 1830, um curso inglês de estenografia, na década seguinte, e experiências alemãs e norte-americanas em “home study” ou “independent study”, algumas anteriores ao século XIX. Para Gouvêa e Oliveira (2006), a modalidade a distância ganha importância por conta das demandas socioeducativas derivadas da Revolução Industrial. Ainda assim, o modelo contemporâneo de educação superior a distância surge apenas no fim da década de 1960, com o projeto britânico da Open University, ainda que haja iniciativas anteriores muito semelhantes, ambas ainda ativas, como a University of South Africa (Unisa), estabelecida na década de 1950, e a University of the South Pacific (USP), sediada em Fiji e atendendo a outros 11 países ou territórios na Oceania, fundada na década seguinte.
Ao longo da década de 1970, muitas outras iniciativas surgem, em variados graus de semelhança com a proposta britânica: a Universidad Nacional de Educación a Distancia (Uned) espanhola, a conversão da Athabasca University canadense em instituição de ensino superior a distância, o surgimento da FernUniversität alemã e, também na América Latina, a Universidad Abierta de Venezuela e uma Uned na Costa Rica. Os principais centros irradiadores da EaD em nível superior foram a França, a Espanha e a Inglaterra, contribuindo não somente com trabalhos para ampliar o campo de aplicação dessa modalidade de educação, mas como inspiração ou, até mesmo, como modelo. A Open University britânica mantém um programa de consultoria, apoiando e ensinando outras iniciativas na educação superior a distância. A partir de então e, de forma mais intensa, nos últimos 15 anos, observa-se, como fenômeno mundial, uma expansão da modalidade a distância no ensino superior.
Diante deste histórico, concordamos com a necessidade de evitar reduzir a EaD à ideia de um ensino mediado por TIC. O conceito de EaD englobaria maneiras diversas de organização do ensino-aprendizagem, incluindo a estimulação e o apoio à autoinstrução e ao estudo independente, mas não somente. Tal conceito também deve incluir a regulamentação do setor, afinal, o sistema escolar também opera na EaD validando e certificando publicamente a aprendizagem dos seus alunos.
Afirmar que a educação representa o único caminho para a salvação do mundo permite, por extensão, dizer que todos os problemas do mundo se devem às falhas da educação. Sendo a EaD uma modalidade de educação, poderíamos nos ver livres para endeusar ou satanizar a EaD, conforme nossas convicções pessoais. Em outras palavras, não mais se trataria de pesquisar a educação ou, em particular, a EaD, mas de prejulgá-la, de permitir que opiniões ou crenças pessoais balizem os documentos daqueles que deveriam estudá-la. No entanto, a EaD é fator de desenvolvimento da educação como um todo, seja da educação presencial ou da não presencial, por se colocar, desde o princípio, no campo do novo, da transgressão, do desafio, do direito à tentativa e ao erro, da permissão para ousar no desenvolvimento de métodos e materiais. Daí nasce a força da EaD.
Cultura Secular
Revista de divulgação científica e cultural do Secular Educacional.
Comissão editorial
Larissa Perdigão
Michelle Zampieri Ipolito
Jornalista responsável
Larissa Perdigão (MTb/SP 37654)
Imprenta
Gurupi, TO, Brasil
ISSN 2446-4759
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