quando dormir vira pesadelo: a paralisia do sono
Recobrar a consciência depois do sono e se sentir paralisado é normal, mas assustador

 ano 14  -  n.28  -   jul./dez. 2016 

por Amanda Cindy da Silva e Larissa Perdigão

sxc.hu
Sono irregular e fadiga são disparadores da paralisia do sono

Depois de mais um dia cansativo, você quer ter uma boa noite de sono, imaginando que isso irá trazer paz e conforto ao seu corpo. Você está dormindo e sonhando, mas, de repente, retoma a consciência, como se tivesse acordado. A única diferença é que, ao tentar se levantar da cama, você não consegue. Seu corpo está paralisado. No desespero de gritar para pedir ajuda, não sai nenhum som. Você está preso dentro de si mesmo. Isso pode parecer um filme de terror, mas não é: trata-se da paralisia do sono.

O sono é uma função biológica fundamental para o ser humano. Ele é o responsável pela conservação da energia e pela consolidação da memória. Quando acontece alguma alteração física, psicológica ou de qualquer outra natureza que incomode o sono, os especialistas dizem que há um distúrbio do sono. Esses distúrbios podem afetar diretamente a qualidade de vida, tendo reflexos psicológicos, como irritabilidade e depressão, ou físicos, como acidentes domésticos e em tráfego.

Durante muito tempo, os estudiosos tentavam compreender o processo do sono e, mais especificamente, como ocorriam as mudanças nas atividades cerebrais durante esse período. Na década de 1920, o neuropsiquiatra alemão Hans Berger desenvolveu a eletroencefalografia (EEG). É mais simples do que parece: esse é o nome dado para o método de registro da atividade das ondas cerebrais, as chamadas oscilações neuronais. O pesquisador alemão realizou essa experiência tanto em pacientes acordados como em pacientes que estavam dormindo, o que permitiu a ele observar a atividade cerebral tanto durante o estado de vigília como durante o estágio de sono. Com isso, Berger pôde descrever cada estágio, com suas ondas e frequências características.

A variação na atividade cerebral não se limita à passagem do estado de sono para o de vigília, ou vice-versa. O sono tem duas fases bem diferentes uma da outra: o sono sem movimentos oculares rápidos (NREM), que é a primeira fase do sono, e está associada a ondas lentas no gráfico da EEG. A fase NREM, por sua vez, é dividida em quatro etapas, sendo que, a cada degrau, a pessoa está menos reativa aos estímulos externos e, portanto, está cada vez mais próxima do sono profundo.

O sono com movimentos oculares rápidos (REM, sigla para rapid eye movement) é a segunda fase principal do sono, a etapa mais profunda, também chamada de paradoxal. Esse nome se justifica: é que, nessa fase, mesmo estando dormindo, o cérebro apresenta ondas na EEG como se estivesse acordado. É porque esse é o momento em que o cérebro está produzindo os sonhos. Mas, no sono REM, as pessoas estão, em geral, sem movimentos. Quando se mexem, essas agitações são involuntárias, automáticas, não definidas. Ou seja, o indivíduo não tem nenhum tipo de interação física com o ambiente. Esse estado é parecido com o estado de coma superficial, em que não há comprometimento das funções cardíacas ou respiratórias. É claro que o sono é diferente do coma: a reversão do sono é espontânea e programada, ao contrário do coma.

Agora, já podemos voltar a falar da paralisia do sono. Quando ela acontece, a pessoa está totalmente consciente do que se passa à sua volta, mas não tem um controle do seu corpo. Isso é desesperador: o coração acelera, a respiração aumenta... Não se sabe o que fazer. A sensação de peso, angústia ou medo aflige. Isso é resultado do estado de hipervigilância do cérebro, que está no modo de defesa, como se fosse receber um ataque. Não muito tempo depois, quando se consegue acordar, a pessoa sente alívio por poder se movimentar. Para quem nunca passou por isso, pode parecer uma descrição de filme de terror, mas muitas pessoas já passaram ou costumam passar por esse tipo de situação durante o sono.

Mas, por que isso acontece? A paralisia ocorre quando a pessoa acorda durante o sono REM (aquele profundo, em que os sonhos acontecem). Nessa fase, não há movimentação do corpo, pois o cérebro libera substâncias que deixam os músculos paralisados para poupar energia e prevenir possíveis lesões involuntárias. Quando o cérebro e os músculos do corpo se dessincronizam durante o sono, acontece a paralisia. Outro problema que pode ocorrer durante o sono é o bruxismo: o ranger dos dentes durante a noite de forma inconsciente. O bruxismo também está associado à paralisia do sono.

A paralisia do sono é uma parassonia, ou seja, uma alteração comportamental ou fisiológica indesejada que ocorre em diferentes momentos do sono. Portanto, não é considerada uma anormalidade. Ou seja, não requer tratamento, mas somente orientação. A sensação de não conseguir movimentar o corpo após o despertar dura poucos minutos, mas é suficiente para trazer desconforto para o indivíduo. A orientação, então, é a de manter a calma e esperar pelo retorno do controle sobre o corpo.

Alguns fatores podem influenciar e intensificar esse fenômeno, como estresse, ansiedade, sono irregular, uso abusivo de medicamentos, fadiga, entre outros. Quando acompanhado de outros sintomas, como sonolência diurna excessiva e alucinações, deve-se ficar atento, pois pode indicar distúrbio crônico do sono.

Mesmo sendo um fenômeno biológico, com explicações cientificas, muitas pessoas acreditam que seja algo sobrenatural, relatando alucinações: afirmam ouvir vozes, sentir a presença e até mesmo ver monstros, fantasmas, alienígenas e outros seres fantasiosos. É normal que as pessoas busquem explicações no sobrenatural, mas o fato é que a paralisia do sono é um fenômeno biológico normal e relativamente comum.

Algumas medidas simples podem ser adotadas para evitar esse desconforto: ter uma rotina regular para ir dormir e acordar; não fazer uso de medicamentos, bebidas alcoólicas ou drogas de forma abusiva; ter o controle de pensamentos que possam perturbar o sono; e ter um ambiente adequado para dormir, ou seja, sem sons externos e com iluminação adequada.

Bem, se a paralisia do sono acontecer com você, não é preciso se desesperar. Respire bem fundo, lembre-se de que só está havendo um descompasso entre cérebro e músculos no despertar e não permita que o medo e a sua imaginação tomem conta da situação. Em um abrir de olhos, afinal, você estará de volta.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.

Comissão editorial
Larissa Perdigão
Michelle Zampieri Ipolito
Glauco Lini Perpétuo

Jornalista responsável
Larissa Perdigão (MTb 37654/SP)

Imprenta
Brasília, DF, Brasil

ISSN 2446-4759