conflitos na américa espanhola independente
Livres para decidir seus destinos, os novos Estados penaram para ter uma mínima ordem

 ano 18  -  n.36  -   jul./dez. 2020 

por Larissa Perdigão

Arte sobre mapa de osteachers.com
América em 1829: conflitos nos novos Estados atrasaram sua consolidação

Enquanto o Brasil manteve sua integridade territorial após a independência, a América antes espanhola se dividiu em mais de uma dezena de países. Com as estruturas do antigo sistema removidas, cada país teve de criar uma ordem política, econômica e social pós-colonial, consolidada apenas por volta de 1850. Os conflitos que se seguiram às independências na chamada América Espanhola merecem um olhar analítico.

Um dos maiores problemas enfrentados no período foi legitimar os novos governos. A opção republicana, que representou ruptura com o sistema colonial, foi traumática, porque contrastava com a centralização autoritária monárquica ibérica. As vantagens, como justificar a separação da Espanha e permitir às elites tentar seguir os exemplos de países que admiravam, como os Estados Unidos e a França, tinham prazo de validade e logo expiraram.

As primeiras constituições nacionais, do início da década de 1810, previram uma divisão de poder na qual o executivo era comparativamente fraco. O modelo predominante era o do regime instituído pelos liberais espanhóis em 1812. Não funcionou. Conflitos entre regiões ou entre setores da elite provocaram o colapso dos governos constitucionais liberais. Como a ordem política se mostrou difícil de ser alcançada, prevaleceu um Estado mais forte e centralizado, como um instrumento contra a agitação política e civil. Em comum com a situação anterior, estava a redação de constituições e o modelo republicano, à curta exceção do México, com Iturbide.

No entanto, constituições escritas não foram suficientes para regrar a ordem nos novos países da região. Particularmente até 1850, a América espanhola experimentou alto grau de instabilidade política. Governos nacionais mudavam de mãos rapidamente na maioria dos países, o que apenas prolongou a fraqueza e a ineficácia dos sistemas políticos emergentes. Manobras extralegais e o uso da força tornaram-se elementos comuns da política.

Grande parte dos conflitos que caracterizaram esses anos consistiu em simples disputas de poder, ou seja, batalhas para determinar quem controlaria o Estado e seus recursos. Ainda assim, a política, em muitos países, se aglutinou em torno de dois polos ideológicos, geralmente conhecidos como liberal e conservador. A definição precisa dos lados nessas lutas é muito difícil, devido às variações entre países e períodos de tempo. Comerciantes urbanos, proprietários rurais e outros grupos de interesse se sobrepunham com tanta frequência que é impossível fazer generalizações para a região toda.

Ainda que as posições tomadas por um grupo pudessem até surpreender, como conservadores a apoiar o livre comércio, em muitos contextos, a questão de restringir ou não o poder da Igreja foi o principal aspecto da divergência entre as facções liberal e conservadora, respectivamente. Adicionalmente, nessa primeira metade do século XIX, a discussão sobre estruturar o Estado com centralização do poder ou na forma de uma federação foi fonte de violentos conflitos em regiões como o México, a América Central e a foz do Prata.

Parte da violência desses conflitos deriva da militarização criada e ampliada ao longo das guerras de independência. Nem todos os países tinham uma classe militar profissional forte e coesa. Mas milícias e líderes militares individuais ascenderam a posições de liderança em função da experiência militarista das guerras de independência. Muitos deles foram caudilhos e tornaram-se atores políticos-chave.

O poder dos caudilhos se baseava nas relações pessoais e na violência. Isso significava que o governo destes homens sempre esteve ameaçado, com sua legitimidade posta em dúvida. Poucos caudilhos foram capazes de estabelecer redes de alianças que pudessem resistir aos desafios de novos líderes que surgiam com seus próprios apoiadores armados e aliados ricos. O sistema de caudilhismo, portanto, era volátil. Embora o caudilhismo como estilo político tenha continuado a existir ao longo do século XIX, foi o período pós-independência que representou a idade de ouro dos caudilhos.

A instabilidade de governos não morava apenas na baixa legitimidade política, mas também no desmantelamento da economia, que era tanto causa como consequência da situação política. Incapazes de depender de impostos antigos para obter receitas, tendo despesas militares e burocráticas maiores do que as do regime colonial, precisando encarar os danos resultantes das guerras, fossem de recursos humanos, de estruturas físicas ou de estruturas burocráticas, os novos governos comumente se encontravam em estreitas dificuldades financeiras. Isso sem falar na consequência econômica da fuga de espanhóis, elite que constituía mão de obra qualificada e com capital para investimentos.

Em suma, a fraqueza econômica resultante das guerras de independência na América espanhola contribuiu para a instabilidade política, que ao mesmo tempo impediu a reorganização dos sistemas econômicos. Os padrões coloniais foram destruídos, mas as economias da região não encontraram, ao longo da primeira metade do século XIX, uma nova orientação política e econômica consistente e estável.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.

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