linhagens do coronavírus: o que podemos esperar
Esperadas pela ciência, novas linhagens do vírus causam dúvidas, mas não são razão para pânico
ano 19 - n.37 - jan./jun. 2021
por Larissa Perdigão
Agência Amazonas/Governo do Estado do Amazonas/Divulgação |
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Desde agosto de 2020, cientistas passaram a registrar variantes mais agressivas ou mais transmissíveis do coronavírus Sars-CoV-2 em diversos lugares do mundo, como Nigéria, Reino Unido, África do Sul e Brasil. Estas novidades no quadro de emergência sanitária em que vive o mundo podem implicar mudanças nos comportamentos das pessoas, nas políticas públicas de enfrentamento e nos riscos representados pela Covid-19.
À medida que o coronavírus se multiplica e, naturalmente, evolui, o olhar dos cientistas e dos gestores de saúde pública se volta às suas novas linhagens, que contêm mutações que podem tornar o vírus mais infeccioso, mais perigoso ou mais mortal. Tais mutações são consideradas pontuais, com a substituição de um pequeníssimo pedaço do código genético viral por outro, que implica mais eficiência do vírus em se proliferar, a ponto de ele se tornar a linhagem dominante em uma região ou país.
Os vírus mudam constantemente por meio de mutações. É natural e esperado que novas variantes de um vírus surjam com o tempo. O grupo dos coronavírus reúne diversos vírus que possuem pontas em forma de coroa em suas superfícies. Diferentemente dos vírus da gripe, por exemplo, os coronavírus não eram especialmente conhecidos por sofrer mutações frequentes. Porém, o fato de o Sars-CoV-2 ter infectado mais de cem milhões de pessoas no planeta, tendo se replicado muitos trilhões de vezes, levou a uma janela muito mais ampla para surgirem mutações.
Na maioria das vezes, novas variantes desaparecem sem ser detectadas. Porém, em outras vezes, elas são mais resistentes que as suas ascendentes. Com isso, acabam persistindo e, frequentemente, tornando-se dominantes nas regiões em que surgiram ou no mundo todo. Já são quase dez as linhagens do vírus causador da Covid-19 documentadas no planeta durante esta pandemia. Compreender as mudanças na superfície do vírus e em seu código genético ajuda os cientistas a compreender como elas alteram sua forma de propagação e o seu comportamento no corpo humano.
Neste mês de março de 2021, são três as linhagens preocupantes já disseminadas por um número grande de países. Em setembro de 2020, o Reino Unido identificou uma linhagem, que foi chamada B.1.1.7, com diversas mutações que tornam a carga viral maior e a propagação do vírus mais fácil e rápida. Em janeiro de 2021, especialistas relataram que essa linhagem pode estar associada a um risco aumentado de morte em comparação com outras linhagens do vírus, embora sejam necessários mais estudos para confirmar essa conclusão preliminar.
Na África do Sul, surgiu outra linhagem, chamada B.1.351, identificada em dezembro de 2020, mas posteriormente observada em amostras antigas, coletadas ainda em outubro. Dados preliminares indicaram proteção diminuída de uma das vacinas compradas pela África do Sul contra essa nova linhagem, com vacinados contaminados, ainda que apresentando doença leve ou moderada. Essa variante não parece ser mais perigosa, mas tem conseguido reinfectar pessoas, mesmo quando ainda mostram ter anticorpos contra Covid-19.
No Brasil, surgiu uma linhagem chamada P.1. Contudo, a identificação foi feita inicialmente no Japão, com viajantes que regressavam do Brasil. Por falta de um estudo definitivo, registra-se o seu surgimento como o início de janeiro, quando foi detectada no Extremo Oriente. Esta variante parece conter um conjunto de mutações adicionais que podem afetar sua capacidade de ser reconhecida por anticorpos, dando ao vírus uma vantagem temporal para sua multiplicação antes que o organismo possa combatê-lo. Isto pode ser a razão pela qual pessoas mais jovens vêm apresentando quadros mais graves de Covid-19 no Brasil.
Para a sobrevivência do vírus, as mutações que o tornam mais contagioso são favoráveis. Por outro lado, mutações que o tornem mais mortal ou que acelerem a hospitalização podem tornar o vírus mais raro, pois ele teria menos tempo de circular livremente e contaminar outras pessoas. Assim, as variantes que costumam perpetuar um vírus são as que se proliferam mais rapidamente, enquanto causam sintomas mais leves no seu portador.
No caso do Reino Unido, não foi difícil confirmar que a disseminação da linhagem do Sars-CoV-2 era mais fácil que a da linhagem considerada original. Neil Ferguson, epidemiologista do Imperial College de Londres e membro de um comitê científico que assessora o governo britânico, mostrou que, em novembro de 2020, mesmo com o país inteiro confinado, os casos de Covid-19 seguiram subindo na região sudeste de Londres, enquanto caíam no restante da cidade e do país.
Já na África do Sul e no Brasil, a comprovação de que as novas linhagens se espalham com mais velocidade é mais difícil. Em ambos os países, não houve restrição aos deslocamentos e às reuniões privadas. Tanto aqui como lá, bares, restaurantes, shoppings e praias se mantiveram abertos e cheios durante as festas de fim de ano e as férias de verão. Por fim, os sul-africanos também compartilham com os brasileiros a reduzida adesão às medidas de contenção.
Os especialistas mantêm sua posição de que usar máscaras continuamente, evitar aglomerações e locais fechados e manter a circulação do ar e a higiene das mãos seguem sendo as medidas mais efetivas para a prevenção da Covid-19. A razão para isso é que as novas linhagens não se mostraram tão diferentes da linhagem original a ponto de mudar a forma de transmissão do vírus. As variações do Sars-CoV-2 também se propagam pelo ar expelido por portadores do vírus, inclusive daquelas pessoas que não apresentam sintomas. Porém, como alguns países já têm feito, o uso de máscaras mais eficientes e outros cuidados adicionais em ambientes fechados podem contribuir para evitar a propagação de variantes mais infecciosas.
Teme-se que as vacinas desenvolvidas para a linhagem original do vírus acabem não funcionando para o combate a seus descendentes mutantes. O que resultados ainda preliminares indicam é que algumas vacinas perdem parte da eficácia. Porém, elas ainda oferecem proteção em um grau razoável. Como ação de saúde pública, a vacinação com imunizantes com algum grau de eficácia já é justificável, pois diminui o número de doentes e, com isso, a circulação do vírus. Portanto, as vacinas continuam sendo necessárias e recomendadas, não somente para a proteção individual, mas de toda a coletividade.
Além disso, Robert Bollinger, médico da Universidade Johns Hopkins, lembra que os desenvolvedores de vacinas sempre se mantiveram atentos às inevitáveis novas linhagens dos vírus. “Todos os anos lidamos com mutações para o vírus da gripe e vamos ficar de olho nesse coronavírus e rastreá-lo”, disse Bollinger. “Se houver uma grande mutação, o processo de desenvolvimento da vacina pode acomodar mudanças, se necessário”, explicou ele.
Como o surgimento de variações e novas linhagens virais são um fenômeno conhecido e esperado pela ciência, a preocupação das pessoas com o vírus não precisa aumentar. Aos cientistas, cabe continuar acompanhando as mudanças para que testes, tratamentos e vacinas sigam sendo eficazes. Às pessoas, cabe manter a atenção às medidas de prevenção em um nível alto, tão alto quanto no início da pandemia, e vacinando-se o mais rapidamente possível. Em uma guerra como a que travamos contra o vírus, a derrota é previsível quando baixamos a guarda.
Cultura Secular
Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.
Comissão editorial
Michelle Zampieri Ipolito
Larissa Perdigão
Glauco Lini Perpétuo
Jornalista responsável
Michelle Zampieri Ipolito (MTb 12949/DF)
Imprenta
Brasília, DF, Brasil
ISSN 2446-4759
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