por que tantas missões espaciais vão a marte?
Nosso vizinho menos inóspito recebeu três visitas em fevereiro, e isso não é mera coincidência
ano 19 - n.37 - jan./jun. 2021
por Larissa Perdigão
China National Space Administration/Divulgação |
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Foto de Marte obtida pela sonda orbital da missão chinesa Tianwen 1 |
As notícias de missões chegando a Marte em fevereiro deste ano repetiram-se muitas vezes. Estados Unidos, China e Emirados Árabes Unidos não combinaram esse encontro interplanetário, mas isso também não é mera coincidência. Nem a escolha do planeta vermelho como mesmo destino é casual. Marte é o planeta com maior possibilidade de abrigar humanos, à exceção da Terra.
Esse congestionamento de missões em Marte pode fazer parecer fácil e banal uma missão interplanetária. Porém, não há nada de trivial na ciência e na tecnologia necessários para colocar um satélite na órbita ou um veículo na superfície de outro corpo celeste. Os tempos e os custos envolvidos são enormes. Por isto, é preciso planejar as missões com cuidado, buscando diminuir o período de viagem e o consumo de energia.
As três missões mais recentes a Marte partiram e chegaram quase ao mesmo tempo por imposição da mecânica celeste. A maior distância entre a Terra e Marte costuma beirar os 400 milhões de quilômetros. Já a menor distância é de pouco menos de 60 milhões de quilômetros, ocorrendo a cada 26 meses, tendo acontecido pela última vez em 6 de outubro de 2020, ou seja, 4 meses antes da chegada das missões a Marte.
Fica fácil deduzir que as três missões saíram da Terra, da mesma forma, em julho de 2020, ou seja, cerca de 4 meses antes do ponto de maior aproximação entre a Terra e Marte. Tudo para deixar o ponto de maior aproximação entre os planetas bem no meio da viagem, obtendo a menor distância interplanetária média ao longo da viagem de 8 meses.
As missões de cada país ocorreram em tempos parecidos, mas são bem diferentes nos seus objetivos. A Nasa, a Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos, lançou dois dispositivos: o jipinho Perseverance, que guarda o helicóptero Ingenuity. A Nasa já tem experiência com veículos terrestres em Marte, tendo sido bem-sucedida nas missões Sojourner, Spirit, Opportunity e Curiosity. A novidade é o helicóptero, um dispositivo que representa um grande desafio.
Ainda que a gravidade na superfície de Marte seja apenas de 38% daquela que experimentamos em nossa superfície, a atmosfera de Marte é muito rarefeita, com apenas um centésimo da pressão que experimentamos na Terra ao nível do mar. Isso é um desafio para o voo de um helicóptero, que depende do ar para voar. Por isso, o Ingenuity deve voar por apenas 50 metros, a uma altura máxima de 5 metros. Além disso, o Ingenuity foi construído com padrões de espaçonave, embora seja, a rigor, somente uma aeronave. Neste começo de março de 2021, o Ingenuity ainda espera para sair da Perseverance, que pousou com sucesso e já opera como previsto.
A missão chinesa Tianwen 1 é a primeira a alcançar Marte com sucesso. Houve apenas uma anterior a esta, a Yinghuo 1, carregada pela russa Fobos-Grunt, em 2011. Um dos motores que colocaria o dispositivo rumo a Marte não disparou. Então, ele não saiu da órbita terrestre e despencou no Oceano Pacífico dois meses depois.
Por vários motivos, a Tianwen já é um grande avanço. Trata-se da primeira missão levada a cabo exclusivamente pela China, com a sua CNSA, a Administração Nacional Espacial da China. Além de chegar a Marte e se encontrar orbitando o planeta vermelho com sucesso, ainda se espera para maio de 2021 o lançamento de um dispositivo fixo e de um veículo na superfície do planeta a partir do módulo em órbita.
A missão Hope, dos Emirados Árabes Unidos, talvez seja a mais surpreendente das três. A UAESA, Agência Espacial dos Emirados Árabes Unidos, foi fundada somente em 2014. Mesmo o Centro Espacial Mohammed bin Rashid, entidade mantida pelo emirado de Dubai que desenvolve e suporta as tecnologias empregadas pela UAESA, tem apenas 15 anos.
A UAESA contou com diversas parcerias para viabilizar sua sonda orbital. Entre as principais, estão aquela firmada com a JAXA, a Agência de Exploração Aeroespacial do Japão, que deu acesso ao seu sistema de lançamento H-IIA, e a estabelecida com o Laboratório para a Física Atmosférica e Espacial da Universidade do Colorado em Boulder, com colaboração de outras duas universidades estadunidenses.
Fato é que estas três missões aumentarão nossa compreensão do planeta vermelho. O que já sabemos é que Marte é uma bola rochosa e fria, quase sem oxigênio, com alguma água solidificada nos polos e no subsolo. Sua área é de cerca de 145 milhões de quilômetros quadrados, ou seja, praticamente a mesma área de terras emersas da Terra, 149 milhões de quilômetros quadrados. Porém, o solo treme com muita frequência.
O dia marciano dura 24 horas e 37 minutos, mas o Sol está mais distante, chegando com menos energia e demandando mais tempo para o aproveitamento de sua energia por painéis solares em sistemas fotovoltaicos. Mas os raios cósmicos e ultravioletas são mais intensos do que os sofridos na superfície terrestre, por não haver atmosfera e campo magnético suficientes para o bloqueio. Além disso, Marte tem estações porque também gira com eixo inclinado. O ângulo é muito parecido: 25 graus em Marte, 23 graus e meio na Terra.
Mas ainda há muitas perguntas sem respostas. Humanos podem sobreviver nas condições exigidas pelos 8 meses de viagem de ida, 18 meses de estada e oito meses em retorno? Não somente fisicamente, mas psicologicamente? Plantas podem ser cultivadas no solo marciano? Como obter oxigênio suficiente para viver? Ou seja, há um grande número de problemas de ciência e de tecnologia pendentes de respostas.
A curiosidade científica já justificaria muitas das missões exploratórias enviadas a Marte. Mas as intenções da humanidade são bem mais amplas. Em 2017, um Ato Autorizativo de Transição à Nasa foi aprovado pelo Congresso dos Estados Unidos, reforçando a meta de colocar humanos na superfície marciana em 2033. Ainda mais ambicioso, a agência privada SpaceX espera estabelecer uma colônia no planeta vermelho, com a primeira missão tripulada ocorrendo por volta de 2026.
No entanto, essas datas são excessivamente otimistas, segundo analistas independentes. O plano da Nasa foi considerado sem chances de ser concretizado em 2033 pelo Instituto de Políticas em Ciência e Tecnologia, contratado pela própria Nasa para uma avaliação de seu programa marciano. O administrador da Nasa no fim do governo Trump, Jim Bridenstine, lembrou que a SpaceX também não cumpre os prazos combinados: a empresa tinha o compromisso contratual de levar astronautas à Estação Espacial Internacional ainda em 2017, mas só conseguiu fazê-lo em novembro de 2020.
Mas já chegamos muito longe. As missões mais recentes têm muito a contribuir. A sonda emiradense Hope busca ser o primeiro satélite meteorológico de Marte, estudando as mudanças atmosféricas diárias e sazonais. A missão da CNSA estudará a geologia, as características do solo e do subsolo, o clima, a atmosfera e a magnetosfera do planeta vermelho. Por fim, a Perseverance vai armazenar amostras de solo, buscando por sinais de habitabilidade e assinaturas biológicas, verificando, por fim, a viabilidade de transformar o dióxido de carbono que compõe 95% da atmosfera marciana em gás oxigênio, que permitiria a sobrevivência humana e de outras formas de vida, enquanto o helicóptero Ingenuity fará apenas voos experimentais.
Enfrentar desafios dessa ordem pode parecer loucura ou um grande desperdício de tempo e de dinheiro. Nada mais falso. Assim como a corrida à Lua nos forneceu diversas novas tecnologias e conhecimentos científicos, a busca pela exploração de Marte exigirá saberes que poderão ser aplicados na Terra, em nosso cotidiano. Até as falhas tendem a gerar subprodutos aplicáveis à Terra. Afinal, se a humanidade pretende habitar algum planeta extraterrestre, Marte é o destino mais próximo e similar.
Cultura Secular
Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.
Comissão editorial
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Larissa Perdigão
Glauco Lini Perpétuo
Jornalista responsável
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Imprenta
Brasília, DF, Brasil
ISSN 2446-4759
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