bioética: estudando os dilemas da vida
Respostas a questões sensíveis em vida e saúde são encontradas na bioética

 ano 19  -  n.38  -   jul./dez. 2021 

por Larissa Perdigão

Nick Youngson/Pix4free.org/CC BY-SA 3.0
A bioética trata dos mais diversos aspectos da vida

A bioética é um campo multidisciplinar que inclui temas polêmicos que impactam o futuro da humanidade e da sociedade, analisando áreas tão diversas quanto os impactos das novas biotecnologias; questões jurídicas em saúde mental; eutanásia e morte digna; ética em pesquisa humana e animal; relações médico-paciente; sistemas de saúde; entre outros temas. A bioética nos permite dar respostas sobre a forma como vivemos nossas vidas dentro do contexto de determinantes políticos, sociais, econômicos e ambientais. É uma área de estudos cuja importância é, realmente, de vida ou morte.

Antes de tratarmos da bioética, vale a pena discutirmos o que é ética. Mais formalmente, podemos chamar a ética de filosofia moral. Ou seja, um ramo da filosofia a buscar a sistematização dos conceitos referentes à conduta humana, possibilitando a arbitragem de disputas que envolvam as diversas condutas possíveis diante de uma determinada situação. Para isso, a ética eventualmente define o certo e o errado e, em alguns casos, recomenda ou defende a tomada de certas decisões.

É importante perceber que a ética é uma construção humana, ou seja, depende da sociedade, da cultura e da história. Desta forma, ela possui imperfeições, é limitada e é incompleta. Portanto, a bioética não deve ser tomada como a solução para tudo. Cada caso, no entanto, serve para enriquecer a ética, dando-lhe ainda mais solidez para a sua maior função: a de alicerçar os relacionamentos pessoais, sociais e políticos.

Nesse contexto, a bioética é a ética da vida. Ou seja, ela busca um maior conhecimento sobre a conduta humana, para poder orientá-la da melhor forma possível, nos aspectos que envolvem a vida no planeta. Ou seja, a bioética é uma ética em um contexto específico. É importante notar que a bioética não se limita aos aspectos da vida humana, mas de toda forma de vida.

Em geral, a bioética é associada às aplicações e às implicações das ciências da vida e da saúde. A bioética incide sobre toda a extensão do processo científico, desde a pesquisa em um laboratório até o seu emprego em um hospital. Pesar riscos e benefícios, minimizar o uso de animais e evitar seu sofrimento são alguns aspectos a sempre observar. A complexidade das questões bioéticas aumenta quando envolvem seres humanos. Entram variáveis como consentimento, família, religião e, especialmente em sistemas de saúde sobrecarregados, escolhas difíceis sobre que terapias, que medicamentos, que pacientes priorizar.

Como quase tudo o que envolve saúde, a bioética e seus dilemas não se limitam aos especialistas. Eles impactam a todos, e nos chegam pela mídia tradicional, pela mídia social, pela educação formal e, claro, pelo uso do sistema de saúde. Por isso, é necessário conhecer um pouco sobre bioética, deixando de lado a crença de que é um tema para os acadêmicos. Um dos caminhos é conhecer algumas áreas da bioética.

A ética clínica, por exemplo, é uma área mais voltada à prática bioética. Ela procura orientar o tratamento de problemas ou de divergências surgidas na prática dos cuidados de saúde, especialmente quando as partes discordam ou não têm certeza sobre a melhor ação ética. Quando um sujeito recusa um tratamento recomendado ou eficaz, e exige outro, sem qualquer eficácia, que põe em risco a si e a outros, ele está violando valores da bioética. Isso evidencia que a bioética é uma questão que nos envolve a todos.

A ética clínica e os gestores de políticas públicas em saúde trabalham juntos para melhorar as respostas institucionais aos dilemas éticos por meio da educação, da formação de políticas governamentais, da consideração da saúde como um bem público. Um governo bioético é aquele que garante o acesso aos cuidados de saúde necessários para todos, que incentiva a pesquisa em saúde, que busca garantir a qualidade dos serviços de saúde oferecidos, controlando adequadamente seus fluxos e seus custos.

O poder judiciário também tem um papel extremamente relevante na operação da bioética. Justiça é o valor moral mais pertinente à política de saúde, dados os grandes investimentos públicos na criação e na manutenção, por exemplo, do Sistema Único de Saúde brasileiro. Juízes frequentemente precisam decidir se é justo que o acesso de um indivíduo a uma terapia de precisão, que pode salvar sua vida, pode ser garantido à custa da retirada de milhões de reais do tratamento de saúde de centenas ou milhares de outras pessoas, igualmente cidadãs, igualmente contribuintes do sistema público ou da operadora privada de saúde, mas que dependem apenas de procedimentos ou medicamentos relativamente baratos. Esta, como tantas outras, é uma questão bioética que exige uma reflexão ampla, preferencialmente coletiva, social, democrática, respeitosa, que vá além do caso particular que o juiz deve julgar.

O fluxo de informações em saúde também requer uma abordagem bioética. Determinar quem pode ter acesso ao prontuário médico de um paciente, determinar se um paciente deve informar sua condição de saúde a outras pessoas, determinar o que deve ou não ser permitido fazer com a informação genética de alguém, determinar o limite do uso de informações pessoais obtidas em pesquisas em saúde com seres humanos, determinar se é direito ou dever denunciar à autoridade policial uma suspeita de crime em função de um atendimento de saúde, entre tantos outros, são problemas reais com os quais a bioética se depara. Neste campo, a coleta massiva de informações dos cidadãos, como dados biométricos diversos e, portanto, não anonimizáveis, gera novos e cruéis dilemas, exigências, consequências, implicações que merecem um estudo bioético cuidadoso.

Por fim, a bioética é chamada a tratar de tópicos relacionados ao nascimento e à morte. Algumas das questões mais polêmicas envolvendo reprodução tratam de reprodução assistida, de barriga de aluguel e solidária, de manipulação genética da prole, de restrição da fertilidade, de interrupção da gravidez, além de conflitos diversos sobre os melhores interesses das mães e de seus fetos. Quanto à morte, a dignidade no processo de cessação da vida, o respeito ao corpo sem vida, a possibilidade e os limites de uma pessoa tirar a própria vida, a escolha de quem vive e quem morre em uma situação limite são aspectos que merecem abordagem bioética.

Como foi possível observar, a bioética está no nosso cotidiano. Na esfera social, reduzir disparidades na saúde, diferenças cuja existência e persistência não são éticas, exige que trabalhemos ativamente em busca de soluções, que cobremos, que fiscalizemos a saúde pública. Na esfera privada, chegar à melhor decisão possível em saúde depende de processos pelos quais o problema é apresentado, discutido, negociado e deliberado por acordo entre as partes. A bioética reconhece o direito do paciente à autonomia. Exerçamos, então, nossa melhor postura bioética.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.

Comissão editorial
Michelle Zampieri Ipolito
Larissa Perdigão
Glauco Lini Perpétuo

Jornalista responsável
Michelle Zampieri Ipolito (MTb 12949/DF)

Imprenta
Brasília, DF, Brasil

ISSN 2446-4759