biodiesel: substituto do diesel?
O uso do diesel feito de restos de seres vivos cresce mais que o de origem fóssil

 ano 20  -  n.39  -   jan./jun. 2022 

por Pedro Marçal e Larissa Perdigão

United Soybean Board/Flickr/CC BY 2.0
Bomba de diesel e biodiesel de soja para veículos rurais em Kansas City, nos Estados Unidos

É muito comum que o prefixo “bio”, do grego bios, que significa vida, apareça acompanhado de palavras tradicionais para vender algo como positivo, principalmente nas questões ambientais. Isto não é diferente para o biodiesel. Trata-se de um tipo de combustível que traz diversos benefícios, principalmente em sua produção, se comparado com a contraparte de origem fóssil. Porém, diferentemente do que aparenta, o biodiesel também pode ser prejudicial, inclusive ao ambiente.

O biodiesel é um recurso renovável, enquanto o diesel comum, por ter sua origem no petróleo, é um recurso finito. O biodiesel é produzido a partir de óleos e gorduras provenientes de animais e vegetais. Estes óleos e gorduras são triglicerídios, que são moléculas com três cadeias carbônicas longas ligadas a uma espécie de raiz de três carbonos. Uma reação química chamada transesterificação, em que triglicerídios reagem com álcoois simples, como metanol ou etanol, libera cada uma destas cadeias carbônicas longas como ésteres, enquanto a raiz de três carbonos passa a ser glicerina. São os ésteres de cadeia longa que compõem o biodiesel.

Cada molécula de éster, além dos átomos de carbono e hidrogênio, tem dois átomos de oxigênio em posições bem definidas. Mas as moléculas que compõem o diesel derivado do petróleo são hidrocarbonetos, ou seja, possuem apenas átomos de carbono e hidrogênio. Portanto, diesel e biodiesel, embora sejam, ambos, combustíveis algo semelhantes, são quimicamente diferentes. Apesar disso, o biodiesel pode ser queimado em motores que trabalham no ciclo Diesel, desde que sejam feitas as necessárias adaptações.

Existem outras formas de produzir o biodiesel a partir de óleos e gorduras, mas a transesterificação segue sendo a principal, em função do seu alto rendimento e da alta qualidade do combustível produzido ante os outros métodos. Trata-se de um processo que, modernamente, foi pensado por Expedito Parente, engenheiro químico e professor da Universidade Federal do Ceará, em 1977. Até Rudolf Diesel, ao inventar seu motor, já havia vislumbrado a possibilidade de usar nele óleos vegetais como combustíveis, mas a fartura de óleos minerais já era, à época, determinante para a opção vegetal ser deixada de lado.

Embora os motores movidos a diesel fóssil não possam ser abastecidos com biodiesel puro, proporções de biodiesel de até 10% são bem toleradas pelas máquinas. E isto é bom, porque há benefícios no seu uso. Uma das vantagens é a possibilidade de uso de resíduos orgânicos, como bagaços de plantas e óleos para fritura, como matéria-prima. Outra é a possibilidade de usar microalgas para produzir os triglicerídios, em tecnologia ainda em desenvolvimento, mas que promete reduzir a necessidade de terras para produção da matéria vegetal bruta, deixando-as para produção de alimentos.

Mas há mais. Usar biodiesel, assim como usar qualquer combustível de origem vegetal ou animal não fossilizada, significa não lançar átomos de carbono adicionais na atmosfera. É que os átomos de carbono do biodiesel já haviam sido capturados da própria atmosfera, por meio da fotossíntese, pouco antes. Ou seja, usar biodiesel é evitar aumentar a concentração de gás carbônico na atmosfera. Este gás, um gás estufa, é, atualmente, o principal responsável pelo aumento das temperaturas do planeta.

Por outro lado, há problemas no uso do biodiesel. Um deles é o uso de terras que poderiam ser usadas para a produção de alimentos, algo que faz com que os alimentos custem mais. Os produtores percebem que ganharão mais plantando palma ou qualquer outro vegetal não comestível, fazendo com que a produção de alimentos diminua e a escassez force os preços para cima. A produção agrícola em monocultura, por sua vez, tem implicações ambientais negativas, como derrubadas de florestas e esgotamento do solo, que acabam por se estender ao biodiesel. E a obtenção de glicerina como subproduto é muito maior do que o mercado mundial tende a consumir.

Em termos técnicos, ainda não se encontrou forma de usar biodiesel em proporção superior a 10% em motores a diesel comuns sem que isso implicasse problemas mecânicos. Várias razões contribuem para isso. Uma delas é a de que o biodiesel é bem mais viscoso que o diesel de petróleo, dificultando, por exemplo, a ação do filtro de combustível. Outra é que o biodiesel, ao possuir átomos de oxigênio como qualquer éster e, também, ter mais tendência a absorver umidade, oxida componentes dos motores. Além disso, a baixas temperaturas, o biodiesel começa a cristalizar e virar gel. O biodiesel de óleo de palma, por exemplo, gelifica quando está abaixo de 13°C.

O biodiesel é uma opção que vem se tornando mais viável com o desenvolvimento tecnológico. Tem uso crescente mundo afora, especialmente misturado ao diesel comum. No Brasil, por exemplo, a proporção é de 10%, embora já tenha sido maior, assim como as reclamações de motoristas e proprietários de veículos a diesel. Porém, seu custo ainda é maior do que o do diesel de petróleo: no Brasil, feito principalmente de óleo de soja, o litro do biodiesel puro custava quase o dobro do diesel de petróleo puro no fim de 2021. Portanto, o biodiesel ainda tem muitos obstáculos a superar para aproximar-se da solução que o seu prefixo “bio” promete.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.

Comissão editorial
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ISSN 2446-4759