curiosidades das chuvas
Precipitações surpreendem até sem o efeito da mudança climática

 ano 22  -  n.43  -   jan./jun. 2024 

por Larissa Perdigão

Sig Audiovisual/Flickr/Wikimedia Commons/CC BY 2.0
Cercanias de Quibdó, capital de Chocó, na Colômbia: oito metros de chuva por ano

Uma das principais razões pelas quais nós consultamos a previsão do tempo é para saber se vai chover. Pouco importa se você vive da agricultura, ou faz trabalhos externos, ou só quer saber se vai conseguir sair de casa sem se molhar. Pois as chuvas não se distribuem uniformemente pelo globo terrestre. E é desses locais onde a chuva é excepcional, ou onde assim tem se mostrado, que nós vamos falar.

A Fundação Aquae, entidade espanhola de preservação ambiental, afirma que o país mais chuvoso do planeta é a Colômbia. No nosso vizinho sul-americano, se a água não escoasse nem evaporasse, em média, ela atingiria uma altura de 3 240 milímetros anuais, ou seja, mais de 3 metros. O curioso é que o departamento (divisão equivalente à de Estado no Brasil) mais chuvoso da Colômbia, Chocó, não é voltado para a floresta amazônica, mas sim para os oceanos Pacífico e Atlântico, junto à fronteira com o Panamá. Ali, grandes massas de ar quente e úmido são impedidas de avançar pela Cordilheira dos Andes, provocando chuvas torrenciais. A média de pluviosidade registrada na capital departamental de Chocó, Quibdó, é de mais de 8 000 milímetros anuais, ou seja, não escoada ou evaporada a água, ela subiria mais de 8 metros a cada ano.

Os locais mais chuvosos do planeta, porém, seriam Cherrapunjee e Mawsynram, no leste da Índia, cidades próximas à fronteira com Bangladesh. Ali, as chuvas superam a média de 11 mil milímetros anuais, concentradas entre os meses de junho e setembro, em função do fenômeno das monções. Monções são ventos que mudam de direção conforme a época do ano. No período chuvoso, nessas cidades indianas, as monções arrastam a umidade oceânica contra uma cadeia de montanhas, os Montes Khasi, provocando a precipitação.

O Brasil também tem as suas áreas de maior pluviosidade: a Floresta Amazônica e a Serra do Mar, no Sudeste. Tinha-se como certo que a Serra do Mar paulista era a área mais chuvosa do Brasil até cerca de 15 anos atrás, quando análises de pluviosidade feitas pela Embrapa colocaram em questão essa conclusão. O trecho excepcionalmente chuvoso da Serra do Mar, próximo ao distrito de Paranapiacaba, município de Santo André, teria chuvas anuais médias de 3 600 milímetros. Porém, percebeu-se que o município de Calçoene, no Amapá, supera os 4 100 milímetros no mesmo tempo.

Vejamos alguns recordes: em 2000, Calçoene teria cravado quase 7 000 milímetros de chuva, o maior volume anual conhecido no Brasil. Já o recorde diário, ou seja, de volume de chuvas em um período de 24 horas, foi batido em Bertioga, ao pé da Serra do Mar paulista, em fevereiro de 2023: 683 milímetros. Não é, porém, o recorde mundial: os maiores volumes diários costumam ocorrer em áreas de passagem de ciclones e furacões. A ilha da Reunião teria tido 1 285 mm em um dia de janeiro de 1966, com a passagem de um ciclone. Já a ilha Mujeres, na península de Yucatán, no México, teria recebido 1 634 mm em meras 24 horas, em outubro de 2005, em função de um furacão.

O Brasil quase não recebe ciclones, e nunca furacões. Suas maiores pluviosidades, como no departamento colombiano de Chocó, se devem a dois efeitos, às vezes acumulados: uma floresta quente e úmida perto do litoral, com o bloqueio da umidade por uma cadeia montanhosa. Por exemplo, em 2023, o Boletim Anual de Precipitação no Brasil, da Universidade Federal da Paraíba, apontou Tabatinga, no Amazonas, como o município mais chuvoso do ano. Porém, ao lado de outras cidades amazônicas e da Serra do Mar, surgiram no topo da lista municípios do interior de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Na maior parte da Amazônia, não há montanhas, ou seja, não há o que se chama de chuva orográfica, ou chuva devida ao relevo. Portanto, a pluviosidade amazônica, em geral, não é orográfica. A amapaense Calçoene é uma das exceções, ao ficar próxima ao litoral e deter a Serra Lombarda em seu território. O efeito é parecido na Serra do Mar. Daí a grande surpresa de termos volumes cada vez maiores de chuva no interior do Sul brasileiro, em locais onde não há nem florestas, tampouco serras. Ali, o que há é o choque de massas de ar cada vez mais úmidas com temperaturas muito diferentes, o que provoca as chuvas.

Especificamente no caso das chuvas torrenciais que deixaram extensas áreas urbanas gaúchas submersas em maio de 2024, o que ocorreu foi a entrada de massas úmidas vindas de regiões diferentes, como a Amazônia e o Oceano Pacífico. Em condições normais, não chega tanta umidade do Pacífico por estas bandas. Mas não estávamos em condições normais: estávamos sob a influência de El Niño, fenômeno que aquece as águas superficiais do maior oceano terrestre, aumentando esse fluxo de umidade. Essas massas excepcionalmente úmidas não conseguiam se dissipar ou seguir a sua trajetória em função do bloqueio imposto por uma massa de ar excepcionalmente quente estacionada no centro do Brasil. O caminho imposto à umidade foi descer sob a forma de chuva. Um último agravante, mas fulcral, é o aquecimento global: quanto mais quente a atmosfera, mais ela consegue reter umidade. Isso aumenta os volumes de chuva onde esta umidade acaba por se precipitar.

As chuvas são um fenômeno natural, necessário e, naturalmente, surpreendente. Porém, as mudanças climáticas provocadas pela humanidade, principalmente pelo aumento excessivo da concentração de gases estufa na atmosfera, estão fazendo das chuvas um fenômeno muito mais imprevisível e perigoso. Buscar reverter as mudanças climáticas haveria de ser o objetivo número um da humanidade.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.

Comissão editorial
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ISSN 2446-4759