stanislavski: uma revolução no teatro
Um breve ensaio sobre a vida e a obra do teatrólogo russo

 ano 22  -  n.43  -   jan./jun. 2024 

por Larissa Perdigão

Wikimedia Commons
Konstantin Stanislavski em 1912, quando já era considerado fenomenal

Konstantin Sergeyevich Stanislavski. Este teatrólogo russo nascido na Moscou de 1863 produziu as mais profundas mudanças no processo de interpretação teatral, ou de representação, do que qualquer outra pessoa. Mais do que isto: Stanislavski segue sendo uma referência de estudo indispensável a qualquer ator ou diretor até hoje. Conhecer um pouco sobre sua vida e sua obra é o primeiro passo para entendermos a arte da representação antes e depois de Stanislavski.

A avó materna de Stanislavski era uma atriz francesa, e sua família atuava no teatro. Isto conduziu Stanislavski muito cedo aos palcos. Com 14 anos, já atuava, e rapidamente passou a integrar o Círculo Alexeyev, o grupo teatral de sua família. Mas Stanislavski não era um “nepo baby” despreocupado: reconheceu desde o início suas deficiências de voz, dicção e movimento corporal, trabalhando obsessivamente para aprimorar tais fundamentos. Não à toa, logo chegou à liderança do grupo.

Com tanto estudo, aliado a uma mente brilhante e a uma aparência marcante, Stanislavski destacou-se facilmente na cena teatral russa. Ainda assim, sua vida até seus 30 anos não foi especialmente revolucionária. Ele seguiu aprendendo muito sobre a arte ao atuar também em outros grupos. Além disso, iniciou-se na produção e na direção teatral, adotou Stanislavski como seu nome artístico (afinal, seu verdadeiro sobrenome é Alexeyev) e casou-se com a sua companheira de toda a vida, a talentosa atriz moscovita Maria Lilina.

O despertar de Stanislavski para a necessidade de uma revolução nos métodos de interpretação teria ocorrido na inauguração do seu Teatro de Arte de Moscou, em 1897, com a apresentação de uma peça de Tolstoi. Naquela ocasião, Stanislavski teria se dado conta de que a representação teatral da época era fraca e aborrecida: trazia somente uma emulação dos gestos, das entonações e das ideias do diretor da peça. Isto teria decepcionado Stanislavski profundamente.

O teatrólogo russo percebeu logo que o teatro exercia uma poderosa influência sobre as pessoas, sendo, assim, uma arte de profundas implicações sociais. Nesse contexto, o ator deveria servir como educador do povo, e não como repetidor do diretor. De fato, o teatro de então baseava-se em convenções teatrais artificiais, engessadas, intensamente estereotipadas. Porém, para induzir os espectadores a tais reflexões importantes, deveria haver personagens vivos no palco. Era insuficiente que os atores só se preocupassem com seu comportamento exterior. Em outras palavras, um teatro credível exigiria a criação de um mundo interior único para cada personagem.

Stanislavski chegou à conclusão de que, para a criação desse mundo interior, seria necessário recorrer a ciências como a Psicologia. Mudou completamente a sua forma de dirigir. Passou meses discutindo a mesma peça. Tornou-se rigoroso e intransigente na orientação dos atores. Insistiu na integridade e na autenticidade da performance em palco. “Não acredito em você” passou a ser a frase mais repetida de Stanislavski nos ensaios, sempre dirigida aos atores que ele ainda entendia pouco envolvidos com o interior de seus personagens.

A prova de fogo das suas concepções aconteceria em 1898, com a peça A Gaivota, de Anton Tchekhov. Essa peça havia sido encenada dois anos antes: foi um fracasso tão profundo que o próprio Tchekhov decidira nunca mais escrever obras teatrais. Mas, sob a companhia Teatro de Arte de Moscou de Stanislavski e suas novas ideias, a peça foi um sucesso surpreendente. Isto reabilitou o próprio Tchekhov, um autor que valorizava, em seus textos, os processos mentais dos personagens. Não à toa, daí em diante, Tchekhov teve outras peças encenadas por Stanislavski.

Foi nessa interação com Tchekhov que Stanislavsky confirmou a importância da atuação em um time. A subordinação de cada ator devia ser ao grupo e à intenção do texto do dramaturgo, e não mais ao diretor e à ideia de replicar seu estilo de interpretação. Nesse contexto, os atores tinham de ter uma formação comum, com ensaios coletivos. Com isto, eles poderiam identificar-se com os personagens que interpretavam, desligando-se da literalidade do texto e abraçando a sua própria interpretação e as necessidades da peça. Somente assim seria possível ver no palco a reprodução de emoções autênticas em cada representação.

Stanislavski viajou o mundo com o seu novo teatro e, assim, ganhou reconhecimento internacional. Embora o novo método de representação de Stanislavski apoiasse os atores no desvio do texto e das ações listadas no roteiro, também exigia que prestassem mais atenção às importantes mensagens implícitas contidas na escrita. Era um teatro realmente inovador, com mais espaço para a diversidade de interpretações e para a comoção dos espectadores.

Passou a ser impossível aos demais grupos de teatro rivais ignorar a revolução: o público passou a exigir interpretações verdadeiras, sutis, não estereotipadas, exageradas. Com isso, as ideias de Stanislavski foram se consolidando como o novo padrão do teatro. Isto também incentivou dramaturgos a escrever peças pensadas para essa nova fase da representação teatral.

Tampouco a ópera escapou da reforma stanislavskiana: ao assumir a direção artística de um grupo operístico no fim da década de 1910, Stanislavski também implementou mudanças na concepção dessa arte de representação musicada. Porém, em função de um problema de saúde, passou os dez últimos anos de sua vida, de 1928 a 1938, fora dos palcos, priorizando a formação de atores e a direção de peças.

Foi nesse período, especialmente, que Stanislavski pôs-se a registrar por escrito as suas concepções de arte teatral. Enfocou a busca consciente por emoções subconscientes, a criatividade emocional, a sensação física e psicológica real das emoções dos personagens. Para isto, o ator poderia recordar-se de eventos em que viveu situações parecidas. Uma evolução dessa ideia é a de que o ator realize trabalho de campo, conhecendo pessoas em realidades semelhantes à do seu personagem, ou vivendo, ele próprio, essas emoções, essa realidade. Tudo para que o seu trabalho possa ser reconhecido pelos espectadores como credível e, assim, despertar emoções reais, como Stanislavski sempre desejou.


Cultura Secular

Revista de divulgação científica e cultural do grupo de pesquisa “Investigações Transdisciplinares em Educação para a Ciência, Saúde e Ambiente”.

Comissão editorial
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ISSN 2446-4759